quarta-feira, 18 de maio de 2011

A delegação num governo opaco:: Rosângela Bittar

Registre-se que houve mudança no tônus deste governo em algum momento recente depois da bem sucedida estreia e primeiros dias sob o comando da presidente Dilma Rousseff e seu staff. O estilo, discreto e firme, que marcou a diferença do tonitroante, permanente e cansativo palanque eleitoral do antecessor, já não é um bálsamo, a inquietação está de volta. Houve, é fato também, o reconhecimento do êxito na delegação de poderes iniciais aos ministros, mas já não há segurança de que isto não se confundirá com omissão, pois já está.

Dilma está deixando o governo arder sem intervir, pelo menos até onde a vista do eleitorado alcança. Talvez marcada pelos escândalos da Casa Civil sob sua administração, quando ocorreram os casos do cartão corporativo, das interferências na Receita Federal, do desastre Erenice Guerra, seu braço direito, depois sucessora, colhida em tráfico de influência, a presidente parece não querer mais botar a mão no fogo por ninguém. Mas não toma providências em contrário.

O ministro do Turismo, Pedro Novais, foi denunciado antes de assumir, a presidente não esboçou reação. O ministro do Esporte, Orlando Silva, sofreu acusações graves, balançou, ficou. A ministra da Cultura, Ana de Hollanda, foi flagrada em uso irregular de verbas públicas quando se encontrava vítima de uma campanha de desestabilização movida por quem quer o seu lugar, e a presidente, entre a denúncia e o lobby, preferiu calar-se.

O Palácio está sabotando até audiência pública

Agora estoura o grave novo caso Antonio Palocci, ministro que já passou por dois antecedentes complicados: acusação de receber mensalão da máfia do lixo em Ribeirão Preto e a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. Reabilitou-se e assumiu o cargo de chefe da Casa Civil da Presidência como quase um premiê.

Palocci pode nada haver praticado de irregular, ilegal e nem mesmo aético ao multiplicar 20 vezes, em apenas 4 anos, o seu patrimônio. Mas, na posição em que está no governo não poderia recusar-se à transparência. Não explicou como conseguiu a façanha e, portanto, foi incapaz de reduzir a aura de suspeição que o cerca. Em lugar de agir para restaurar o equilíbrio à volta da presidente, o ministro pratica a velha tática de atacar para se defender. Em nota oficial de ontem, a Casa Civil diz, essencialmente e em síntese, que economistas e parlamentares multiplicam seu dinheiro do mesmo jeito que Palocci. Mas nada detalha. Extraoficialmente, é pior: procura-se o responsável pela denúncia.

No PT e no Palácio, há mais perguntas que respostas: foi Guido Mantega, eterno rival de Antonio Palocci, o vazador dos dados? Ou teriam sido os grupos da Receita Federal insatisfeitos com a volta à instituição, por iniciativa de Palocci, dos amigos do ex-secretário Jorge Rachid?

Enquanto se brinca de adivinhação, o ministro não explica o aumento amazônico de seu patrimônio e o governo entra em compasso de espera para ver, como sempre, até quando a imprensa consegue sustentar o assunto em debate. Quando parar, está resolvido.

A presidente não pode ser babá de ministro, eles têm que dar conta de seus atos, justifica-se no governo. Mas foi a esses ministros que delegou a ação. Ficando omissa diante dos desmandos do presente, não há como ficar imune no futuro.

Até porque essa delegação vem se confundindo com desatenção também em questões de conteúdo das políticas públicas. A presidente só reagiu ao recrudescimento da inflação, esclarecendo posições, quando a questão já havia se transformado em peça publicitária negativa nas campanhas da oposição.

O que pensa sobre as sucessivas catástrofes administrativas do Ministério da Educação? A do momento é a aprovação de um livro didático, comprado pelo governo para distribuição nas escolas, que considera certo escrever errado o português. Se a presidente tem conhecimento desse carnaval fora de época no seu governo a omissão se deve a quê? Ao descompromisso com um ministro imposto ao seu time para que o partido tenha meios de prepará-lo para as disputas eleitorais?

E o que pensa, ou faria a presidente, com relação aos impasses na votação do Código Florestal, em cuja negociação, conduzida pelo ministro Palocci, o governo só entrou no final e para confundir? Chantageado pela ameaça de uma campanha internacional difamatória pelo desrespeito ao meio ambiente, o governo reagiu com a mesma moeda: ameaçou vetar os artigos que não lhe agradassem, punir agricultores e deixar os aliados que contrariassem sua orientação (qual?) à míngua. Na verdade, o governo temeu ficar sem um novo balcão de poder, contido no texto, que lhe permite executar boa parte da política agrícola por decreto.

Há muita gente atônita, inclusive no Judiciário, com a ampliação de poderes do Executivo nesse e em muitos outros campos. Os primeiros acordes dos projetos da reforma tributária em formulação no Ministério da Fazenda, os embates para suprimir os controles do Tribunal de Contas da União, o corte das amarras da lei de licitações para brincar e bordar com os recursos da Copa do Mundo são faces da mesma moeda: governar por medida provisória, decreto, resolução, portaria, tudo o que permita fugir de outros poderes e instâncias. A presidente sabe que o afrouxamento da Lei de Licitações está sendo feito por um reles contrabando em uma MP que trata das atividades de médico residente?

Ela não aparece nas negociações, não fala com líderes envolvidos nas votações, não diz o que quer. Seus delegados, porém, estão energizados e sabotando até audiência pública: o Palácio acaba de conseguir cancelar um debate sobre a Reserva Global de Reversão (RGR), encargo da conta de luz, que estava marcado em comissão da Câmara a pedido de um grupo de empresários liderados por Jorge Gerdau.

O governo Dilma quer controlar, legislar, mandar, decidir. Sem transparência. É um governo em processo de redefinição, para pior.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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