sexta-feira, 13 de maio de 2011

A enrascada do combate à inflação :: Rogério Furquim Werneck

"O governo terá todo empenho para debelar a inflação, contanto, sem derrubar o crescimento. Derrubar a inflação, derrubando o crescimento, qualquer um faz. Não precisa de ministro da Fazenda para isso. Essa é a arte da coisa." Foi assim que o ministro Mantega ressaltou na semana passada, em declaração reportada pelo "Estadão", a maestria que lhe vem sendo exigida na condução da política macroeconômica.

Há cerca de dois meses, noticiou-se que havia grande satisfação no PT com o fato de que o governo, afinal, adotara uma política macroeconômica que o partido poderia considerar sua. Uma política que já não replicava a que havia sido adotada por FHC e que, sob choro e ranger de dentes, foi mantida e aprimorada por Lula durante os três anos iniciais do seu primeiro mandato.

De fato, a política de 2011 é bem diferente da de 2003-05. O celebrado tripé macroeconômico, consolidado a partir da crise cambial de 1999, já vinha sendo reconfigurado em grande medida desde 2008. E, agora, mostra os sinais inequívocos dessa mutação. Em vez de estrito cumprimento de metas fiscais, uma política fiscal ainda expansionista, marcada pela insistência na manutenção de farto orçamento paralelo no BNDES, alimentado por transferências diretas do Tesouro, sem contabilização no resultado primário e na dívida líquida. Em lugar de câmbio flutuante, uma política disfarçada de câmbio fixo. E, em vez de política de metas para inflação nas linhas habituais, nova proposta de condução da política monetária, com uso parcimonioso da taxa de juros.

A euforia do governo com sua política macroeconômica parece ter atingido o auge no final do primeiro bimestre, quando o ministro Mantega assegurou que, com as medidas prudenciais e o aumento de compulsório, a inflação começaria a cair. Não só não caiu como acaba de romper o limite superior da meta.

O agravamento do quadro inflacionário parece ter acendido a luz vermelha no Planalto. E já há analistas sugerindo que, agora, sob o comando da própria presidente, o processo de mutação da política macroeconômica estaria sendo rapidamente revertido. Alarmado com a inflação, o governo estaria disposto a se livrar da maior parte dos adereços heterodoxos que hoje entravam o combate à inflação.

Não é surpreendente que, em meio à insaciável demanda por interpretações róseas do que vem ocorrendo com a condução da política macroeconômica, esse tipo de análise tenha encontrado boa acolhida. Mas a verdade é que não é convincente. É como se, para reverter os equívocos envolvidos no combate à inflação, bastasse dar ao ministro da Fazenda e ao presidente do BNDES um comando "DESFAZER". E, com isso, da noite para o dia, a mesma equipe econômica passaria a se pautar por princípios de condução de política macroeconômica em que sabidamente não acredita.

Não vai ser tão fácil. Ideias equivocadas arraigadas custam a desaparecer. O mais provável é que o governo persista nos mesmos erros antes de se dispor a incorrer no desgaste de reconhecê-los. Na melhor das hipóteses, poderá tentar uma correção suave de rumo, começando pelo Banco Central, mas bem mais lenta do que o agravamento da situação parece exigir.

Seja como for, o governo já não esconde sua apreensão. Resgatando um discurso que parecia ter sido enterrado para sempre em 1994, tenta agora convencer as empresas a "evitar remarcações de preços". Alarmado com a reindexação e a sinalização que poderá advir das grandes negociações coletivas de reajuste salarial, num quadro de inflação próxima a 7% ao ano, o governo clama pela necessidade de que tais negociações sejam pautadas pela meta de 4,5%. E promete se empenhar para desindexar a economia. O que só realça a inconsequência com que a política econômica vem sendo conduzida. Afinal, trata-se do mesmo governo que, há poucos meses, com ares de defensor da austeridade, fez o Congresso aprovar uma regra de superindexação que deverá exigir, em janeiro de 2012, um reajuste do salário mínimo de nada menos que 14%.

"A arte da coisa" está cada vez mais difícil.

Rogério Furquim Werneck é professor de Economia na PUC-Rio.

FONTE: O GLOBO

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