segunda-feira, 16 de maio de 2011

O Fed precisa mudar sua política:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

Os benefícios da ação ultra expansionista do Federal Reserve (Fed, banco central americano) podem estar sendo superados hoje pelos efeitos colaterais negativos de sua aplicação. Em economia, como no caso do organismo humano, ocorre com frequência esse conflito entre resultados positivos de uma terapia e seus efeitos colaterais indesejados. Por isso, a aplicação de remédios fortes precisa ser acompanhada com cuidado pelos médicos e economistas porque têm um prazo limitado de uso. E a política monetária do Fed, de juros próximos de zero e forte expansão monetária via compra maciça de títulos do governo americano, enquadra-se sem dúvida nesses casos.

Dada a dimensão e a importância relativa da economia americana, os efeitos colaterais provocados pela política do Fed estão atingindo praticamente todos os países. Aliás, foi fora dos Estados Unidos que esses primeiros sintomas negativos foram percebidos. Taxas de câmbio valorizadas, pressões inflacionárias e bolhas especulativas formam a ponta desse verdadeiro iceberg, que alguns saudosistas no Brasil estão associando ao velho imperialismo americano.

Mas o feitiço está se voltando agora contra o próprio feiticeiro, como em um filme muito antigo da Disney chamado "Fantasia". A enxurrada de dólares nos mercados, criada pela ação agressiva do Fed, jogou o valor da moeda americana para baixo e os preços das commodities para cima. O petróleo já subiu mais de 60% e o consumidor americano está pagando um custo elevado por isso, reduzindo ainda mais a sua já raquítica renda disponível.

Com juros em dólares próximos de zero, os capitais financeiros migraram, em um primeiro momento, para outras moedas na tentativa de buscar rendimentos maiores em outras plagas. Como a dimensão desses mercados é muito menor do que o volume de dólares em circulação no mundo, os investidores passaram a buscar também ativos mais especulativos, como matérias-primas e outros itens mais exóticos. O aparecimento de bolhas em vários mercados é uma decorrência natural desses desequilíbrios, sendo a mais importante delas a criada nas bolsas de futuro do petróleo e seus derivados.

Com os preços do petróleo em forte elevação, a roda da fortuna criada pelo Fed para fazer reviver a economia americana começou a falhar. O consumo dos americanos representa mais de dois terços do PIB e, sem sua participação efetiva, a tentativa de retomar o crescimento na maior economia do mundo pode fracassar. Até recentemente os juros baixos em dólares vinham provocando uma retomada dos gastos que já são hoje - em termos monetários - maiores do que antes da crise. Um sinal de que a terapia do Fed estava funcionando a contento. Mas com a alta dos preços do petróleo como um efeito secundário da política monetária americana, a renda dos consumidores começou a ser erodida e a economia voltou a patinar. Como os cães de Pavlov, os agentes econômicos passaram então a esperar uma nova rodada de afrouxamento do Fed - ou pelo menos a sua manutenção por um tempo ainda maior -realimentando a desvalorização do dólar.

Por outro lado, preços mais elevados do petróleo criaram pressões inflacionárias em economias que não sofrem do mesmo mal americano, levando os investidores a apostar em juros mais altos em vários países. Mais uma razão para pressionar o valor do dólar, realimentar as especulações com o petróleo e fechar esse círculo vicioso que estamos vivendo.

Mas creio que existe outra falha na terapia atual e que não foi ainda devidamente percebida. O Fed está buscando o retorno aos níveis de desemprego que prevaleciam antes da crise, mas partes importantes da economia americana não estão respondendo aos estímulos monetários por razões estruturais. É o caso principalmente do mercado imobiliário, que está paralisado pelos efeitos da ruptura da bolha criada a partir de 2006. Mais de 20% das casas hoje existentes estão valendo menos do que a dívida hipotecária a ela associada; o número de novas construções é hoje 75% menor do que há três anos; o estoque de imóveis à venda é monstruoso e, com os bancos arredios a novos empréstimos hipotecários, não são os juros próximos de zero que vão reviver esse setor. E sem a volta da atividade de construção de casas e imóveis comerciais aos níveis anteriores, o desemprego não vai chegar nunca aos 6% que o Fed está buscando.

Por isso me parece que o banco central americano está tentando enxugar gelo com a manutenção da política atual. Mesmo com o desemprego próximo dos 9% ele deve iniciar, ainda que de forma gradativa, a normalização dos juros. Seu primeiro passo deve ser a mudança de sua comunicação com o mercado. Com esse movimento e uma mensagem clara que vai passar a outra etapa de sua política monetária, ele interrompe a desvalorização do dólar, diminui a especulação com o petróleo e pode estabilizar novamente a renda do consumidor americano.

Nestas condições, com tempo e juros ainda baixos - mas não próximos de zero - a economia vai continuar seu processo de recuperação, voltando aos níveis anteriores de desemprego ao longo do próximo mandato presidencial.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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