segunda-feira, 9 de maio de 2011

O triunfo da força:: Ricardo Noblat

Frente à morte de um homem, um cristão jamais se alegra”. (Bento XVI, a propósito da morte do terrorista Bin Laden)

Ao longo da semana passada, a morte do terrorista Osama bin Laden foi contada e recontada pelo governo dos Estados Unidos. E corrigida a cada vez que foi contada. Amadorismo da parte dos autores de tantas versões? É possível. O atentado do 11 de Setembro só não foi evitado por excesso de amadorismo dos órgãos americanos de inteligência.

É possível tambémque a sucessão de versões para a morte de Bin Laden não passe de manobra do governo para esconder o que de fato ocorreu. Com o que já se sabe, porém, dá para

construir uma narrativa — e ela émuita feia à luz do Direito Internacional, dos Direitos Humanos e dos valores da democracia.

Em certa ocasião, candidato a presidente, Obama disse com todas as letras: “Nós vamos matar Bin Laden.” Não disse: “Nós vamos prender Bin Laden.” Muito menos: “Vamos prender, julgar e condenar Bin Laden.” Disse: “Nós vamos matar Bin Laden.” Poderia ter sido mais claro? Certamente, não.

Podia ter dito o que disse? À luz do Direito, a resposta outra vez é não. Porque numa democracia existe a separação de poderes. Não é o Executivo, encarnado pelo presidente da República, que julga econdena quem quer que seja. É a Justiça. No caso da americana, ela pode condenar à morte

A tropa de elite despachada para o Paquistão à caça de Bin Laden recebeu a ordem expressa de matá-lo. Não encontrou resistência. A versão de que houve um tiroteio de 40 minutos foi trocada depois pela versão de que apenas uma pessoa disparou contra os soldados. E logo morreu.

Bin Laden estava no andar superior de sua mansão —nisso concordam os relatos dos americanos e de uma filha dele, detida em um andar abaixo e agora sob custódia do governo paquistanês. Segundo os americanos, ali ele foi morto. Segundo a filha, o terrorista foi levado para o andar onde estavam outros parentes dele e executado.

O terrorista estava armado e resistiu — por isso foi morto (1a - versão). O terrorista estava desarmado, mas tentou resistir (2a - versão. Resistir como? No tapa? No grito? Invocando Alá?). O terrorista estava desarmado, mas havia um fuzil e uma pistola ao alcance da sua mão (3a - versão).

Poderiam tê-lo ferido na perna, por exemplo.

Não cabe a suposição de que ele escondesse explosivos junto ao corpo. Ninguém passeia dentro de casa carregando explosivos. De resto, não houve tempo suficiente, entre o início do

assalto à mansão e o disparo do tiro que omatou, para que Bin Laden munisse o corpo de explosivos.

Da mesma forma como Bin Laden morto foi transferido para um porta-aviões ede lá jogado no mar,também poderia ter sido levado vivo ao porta-aviões e de lá para os Estados Unidos.

Nos anos 50, um comando de Israel prendeu na Argentina o nazista e assassino de milhões de judeus Adolf Eichmann. Uma vez julgado, mataram-no.

Bush Jr ., que invadiu o Iraque sob ofalso pretexto de que o país armazenava armas de destruição em massa, derrubou o ditador Saddam Hussein eordenou sua captura. Saddam foi descoberto dentrode um buraco. Teria sido fácil matá-lo. Foi julgado pela Justiça do seu país sob o controle dos americanos. Acabou enforcado. As aparências foram salvas.

Em momento algum, Obama pareceu preocupado em salvar as aparências. Prometera durante acampanha fechar a prisão de Guantánamo, em Cuba, onde pessoas detidas ilegalmente são torturadas. Não fechou. A pista para a localização do esconderijo de Bin Laden foi obtida mediante a tortura de um terrorista.

Asoberania do Paquistão foi violada pelos Estados Unidos. E o mundo festejou um ato de justiça que não passou de vingança. Que me perdoem os realistas ou indiferentes: sou pai de três

filhos. Ganhei um neto há pouco. Não posso dizer a eles que tortura, assassinato e violação da soberania de um país são crimes justificáveis em certos casos.

Quem decide que casos são esses? Quem tem aforça. No 11 de Setembro foi Bin Laden. Agora, Obama.

FONTE: O GLOBO

Nenhum comentário:

Postar um comentário