domingo, 8 de maio de 2011

Olho no futuro:: Míriam Leitão

Esta semana o Brasil pode tomar uma decisão que vai afetar as futuras gerações. O país tem diante de si muitas dúvidas, mas já tem uma certeza: até agora, errou muito. O Código Florestal não é sobre o conflito entre produtores rurais e ambientalistas, é sobre os erros do passado, as chances e riscos do futuro. O debate tem sido medíocre.

O fotógrafo brasileiro e global Sebastião Salgado passou os últimos anos olhando o presente do futuro num projeto chamado Gênesis, que lembra o passado mais inicial. Fotografa o que resta de protegido na natureza. Essa ideia surgiu quando voltou para a fazenda em que cresceu no interior de Minas, Aimorés. Tudo árido, desmatado, morros pelados, erosões. Nada lembrava a vida cheia de verde que ele tinha visto na infância. Ele começou a replantar. Mil, duas mil, um milhão de mudas de espécies nativas. A água, que havia secado, brotou de novo; as árvores cresceram, voltaram animais, pássaros. A mulher do fotógrafo e autora do projeto, Lélia Salgado, quando me contou o momento da descoberta da água retornada, se emocionou.

Os produtores pensam estar protegendo seus interesses quando defendem anistias e leis que aceitam mais desmatamento. Podem estar secando seus rios, revoltando os leitos que vão mostrar suas fúrias nas tempestades, minando o solo, que vai secar, desabar ou se partir nas crateras da erosão. Podem estar contratando o acirramento de fenômenos climáticos extremos que destruirão suas terras, plantações e a economia do país.

O dilema que está diante de nós é maior do que temos visto. O Brasil é ao mesmo tempo um dos maiores produtores de alimentos do mundo, o país com a maior diversidade biológica do planeta, um dos grandes reservatórios de água. Como é possível conciliar a abundância das chances que temos? Há países que administram a escassez. Temos sorte.

Os ruralistas disseram que querem mais terra para plantar. Com a produção deles, o Brasil garante a balança comercial, aproveita a alta das commodities, acumula reservas cambiais, entra em todos os mercados como o primeiro do mundo em muitos produtos. Os produtores são parte do nosso sucesso como país. Os ambientalistas dizem que o país já destruiu demais. Foram 333 mil km na Amazônia nos últimos 20 anos: 11 Bélgicas, quase uma vez e meia o território do Reino Unido. Além disso, reduziu a quase nada a Mata Atlântica, é insensível ao Cerrado, ameaça o Pantanal, despreza a Caatinga. Os ambientalistas são parte do nosso melhor projeto. Os cientistas fizeram um grupo de trabalho, reuniram mentes brilhantes, estudaram profundamente e fizeram um relatório que alerta para os riscos de o país escolher mais desmatamento. Foram ignorados e disso deram ciência ao país. A Agência Nacional de Águas (ANA) ouviu os técnicos e avisou: sem a cobertura vegetal, vamos perder água; o elemento da vida que está ficando cada vez mais escasso. A agência foi ignorada como se chovesse no molhado.

No meio dessa complexidade, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) escolheu apequenar seu campo de visão e viu apenas um dos lados do polígono. Não entendeu que esses são conflitos não antagônicos, para usar uma linguagem que talvez ele ainda tenha de memória. É preciso ver toda essa diversidade. Escolhendo ouvir só os produtores de visão estreita, ele pode estar revogando os interesses mais permanentes dos próprios produtores. Sem proteção do meio ambiente não haverá água, sem água não haverá produção. Sem meio ambiente não há agronegócio. Os interesses são mais convergentes do que parecem.

Os produtores têm razão em reclamar que a lei mudou no meio do caminho em alguns pontos. Olhar esses pontos com sinceridade é necessário. A ANA lembrou as políticas de incentivo ao desmatamento e as alterações de tópicos da lei e separou o que o projeto misturou: "Quem agiu de boa fé" e "quem comprovadamente gerou passivo ambiental." O projeto mistura tudo quando anistia quem desmatou até 22 de julho de 2008. O texto como foi escrito estatiza os custos e privatiza o lucro.

Os cientistas alertam que uma pequena alteração feita no texto representa um risco imenso. Se a mata em torno dos rios tiver que ser calculada a partir da menor calha, e não das bordas maiores, os rios da Amazônia que enchem e encolhem ao longo do ano podem perder 60% da sua proteção.

A ANA, a Academia Brasileira de Ciências e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) avisam que não se deve mudar o código. A tarefa é aprimorar a lei e melhorar a implementação. A ideia de que uma lei deve ser jogada fora porque muitos não a respeitaram é estranha. Ela não foi entendida nem pelo governo que a baixou em 1965, mas para nossa sorte ela ficou atual. Protege áreas frágeis da erosão e dos deslizamentos. Protege rios e mananciais de água. Cria a obrigação de cada proprietário reservar uma parte da sua terra para a vegetação natural. Está em sintonia com o tempo da mudança climática que já está entre nós.

A oposição desistiu do futuro; o governo decidiu escolher o menos pior. Erram os dois. O sensato é querer o melhor. Olhar para as exigências que o planeta nos faz para as próximas e decisivas décadas. Entender como aumentar a produção conservando os ativos. Fazer mais com cada hectare de terra da agricultura e da pecuária. Tirar mais informação da biodiversidade que recebemos por herança. Não se deve votar com olhos paroquiais. É pelo porvir que se vota, congressistas. Leis não são mudadas para apagar o crime do passado, mas para garantir o melhor futuro.

FONTE: O GLOBO

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