quinta-feira, 5 de maio de 2011

Os exageros de Osama e de Obama:: Cristian Klein

Ninguém ainda viu o corpo. Mas Osama bin Laden está morto. Obama, o presidente americano, garantiu. Sua popularidade cresceu, e o fim da caçada ao maior terrorista da história pode lhe garantir a reeleição. Mas a notícia que causou surpresa e, inicialmente, certa sensação de justiça, agora é substituída pelos questionamentos sobre a ação da tropa de elite enviada ao Paquistão. Osama estava desarmado? Por que não foi preso e levado a julgamento? Que direito têm os Estados Unidos de entrar no território de um Estado soberano e realizar sua vendeta?

As perguntas e a curiosidade sobre a operação não param de crescer. Parentes das vítimas dos atentados do 11 de setembro - a obra-prima maligna dirigida por Bin Laden - querem ver a víbora morta. O governo - depois de supostamente se livrar do corpo, jogado ao mar, sob a mal disfarçada alegação de respeito à tradição muçulmana - evita a divulgação de imagens. Poderia estimular uma temida reação de seguidores e do grupo terrorista criado por ele.

Mas até que ponto a Al Qaeda ainda tem o poder de fogo que culminou no atentado de 2001? As análises divergem. Por um lado, a descentralização da organização, hoje espalhada por núcleos semelhantes a filiais ou franquias, implicaria numa estrutura enfraquecida. Por outro, o fato de a Al Qaeda ter se adaptado e não depender de uma só figura personalista a tornaria um legado possivelmente maior e mais perigoso de Osama bin Laden.

A herança do terrorista ainda está por ser avaliada. Mas o fato é que, apesar da curta perspectiva, Bin Laden entrou para o panteão de "monstros" da história. É muito tentador compará-lo a Hitler, Stálin, Mussolini, Mao-Tsé tung, Pol Pot, ditadores que contribuíram para fazer do século 20 o mais assassino de todos. Em "A era dos extremos", o historiador Eric Hobsbawn estima em 187 milhões o número de pessoas mortas no período, em guerras e regimes totalitários - o que equivale a 10% da população mundial antes da Primeira Guerra.

Osama bin Laden, porém, é de outra estirpe de gênio do mal. Matou muito menos. Não comandava um Estado nacional, no qual pudesse pilotar uma máquina de extermínio e genocídios. Vivia nas franjas de sistemas políticos. Mas é o símbolo maior dos novos tempos, de uma ordem internacional que segue outra lógica. É reflexo da desintegração do arcabouço que se seguiu ao fim do conflito das duas maiores ideologias do século 20.

Num dos diagnósticos mais influentes sobre o período, descrito no livro "Após o liberalismo - Em busca da reconstrução do mundo" (1995), Immanuel Wallerstein sugere que a luta entre o capitalismo e o comunismo forjou um sistema que funcionava como um cimento ideológico a conter o conflito Norte-Sul. Apesar das aparentes divergências, tanto o leninismo quanto o wilsonismo (difundido por Woodrow Wilson, presidente americano entre 1913 e 1921) tinham como objetivo integrar politicamente os países periféricos ao sistema internacional. Para isso, ambos lançaram mão do conceito de desenvolvimento nacional, cujo resultado político foi a descolonização quase completa do mundo.

O alinhamento ao bloco capitalista ou ao comunista representava a possibilidade de modernização, de superação do atraso. Mas como as políticas públicas dos países periféricos não se mostraram eficientes, o projeto de desenvolvimento nacional acabou sofrendo dois fortes golpes. Primeiro, a "revolução mundial de 1968", que teria refletido o desencanto dos novos movimentos sociais (como o ambientalismo e o feminismo) com a "velha esquerda", que havia chegado ao poder sem realizar a promessa de justiça social. E depois, a crise da dívida da década de 1980, consequência dos elevados empréstimos feitos pelas economias centrais às nações periféricas.

O resultado foi o sucessivo desmonte de ditaduras militares de caráter desenvolvimentista na América Latina, bem como os movimentos que levaram à queda do Muro de Berlim.

Leninismo e wilsonismo eram face da mesma moeda. Seu fim - afirmava Wallerstein anos antes de o mundo inteiro ser apresentado à Al Qaeda - representava a desintegração e a possibilidade de surgimento do fundamentalismo.

É curioso, e provavelmente não uma coincidência, o fato de Osama bin Laden ter surgido das ruínas desse sistema. Bin Laden, antes de se voltar para o terrorismo de orientação religiosa havia sido um ativo colaborador dos Estados Unidos contra a invasão soviética no Afeganistão. Com o fim da guerra, seu grupo encontraria no fundamentalismo islâmico uma nova ideologia. Contra os valores ocidentais, contra a democracia e no vácuo do comunismo.

Outro ponto interessante é que apesar da imagem de fanatismo, de irracionalidade, Bin Laden e Al Qaeda são fruto de uma lógica que estaria por trás dos grupos terroristas. Num artigo intitulado "The strategic logic of suicide terrorism", o cientista político Robert Pape, da Universidade de Chicago, mostra como a partir da década de 90 houve um crescimento dos ataques suicidas, em contraste com a queda do número de episódios de violência terrorista.

A explicação para o fenômeno é que os extremistas teriam aprendido que o ataque suicida é o melhor método para alcançar seus objetivos. Pape analisa 187 ataques realizados entre 1980 e 2001, por grupos como Hamas e Jihad Islâmica (contra Israel), Tigres Tamis (contra o Sri Lanka), separatistas da Chechênia (contra a Rússia) e Al Qaeda (contra os EUA).

Ele chega a quatro descobertas: 1) a de que o terrorismo suicida é estratégico (fruto de ampla campanha de grupos organizados e não um ato isolado de fanatismo); 2) busca coagir democracias modernas a fazerem concessões à autodeterminação nacional; 3) traz recompensas (a causa obteve mais ganhos após recorrer a operações suicidas; exemplos são a retirada de forças militares americanas e francesas do Líbano em 1983 e de forças israelenses da Faixa de Gaza em 1994); e 4) sua taxa de sucesso não está relacionada a ações ambiciosas. Em geral, infligir níveis baixos e médios de punição à população civil é mais vantajoso. Ou seja, aumentar a violência não garante maior probabilidade de ganhos. A reação vem à altura.

Bin Laden e Al Qaeda podem ter exagerado.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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