domingo, 29 de maio de 2011

Resistindo à chantagem :: Suely Caldas

A aparição do ex-presidente Lula em Brasília, tentando impor à sua pupila a volta da chantagem política na relação com o Congresso, foi péssima para Dilma Rousseff. Um lastimável retrocesso que fortaleceu os políticos que só querem cargos, e deles tirar proveito, e enfraqueceu o trabalho de cinco meses da presidente de a eles reagir e tentar dar ao País uma gestão técnica, profissional, séria e qualificada. Ainda há tempo, Dilma. Responda a ele que a caneta é sua, a responsabilidade perante os brasileiros é sua e este momento da história é seu. Portanto, Lula, vá beber água de coco em São Bernardo, vá engordar seu patrimônio com palestras milionárias e deixe o governo em paz.

O governo Lula foi marcado por oito anos de escândalos financeiros, fraudes e muito desvio de dinheiro público praticados em estatais e repartições federais loteadas por políticos aliados incompetentes para administrar e espertos para dali extrair vantagens para seus partidos, amigos e parentes. Na época ministra, Dilma a tudo assistia de longe. Por não ter perfil (nem estômago) para enfrentar o jogo sujo da barganha e da chantagem política, ao ser transferida para a Casa Civil, pediu para tirar das funções da pasta a relação com parlamentares, que seu antecessor José Dirceu abraçou com tal gula e avidez, que acabou demitido e com direitos políticos cassados. É verdade que Dilma não tem o menor traquejo, habilidade nem paciência para lidar com parlamentares que nos anos 80 Lula chamava de "picaretas". Todo o tempo fugiu de encontros com partidos e fez do ministro Antonio Palocci seu interlocutor para negociar cargos no governo. Em cada lista de dez nomes indicados pelos partidos, ela aceitava discutir dois ou três, no máximo - aqueles com algum conhecimento técnico especializado. Mas resistia em dar a palavra final e não os atendia.

Dá para entender, mas o silêncio de Dilma não foi a melhor estratégia para abolir a prática que Lula deixou impregnada e que fez o País pagar muito caro a cada proposta que o governo levava à votação no Congresso. O pior da chantagem é seu poder multiplicador de preço e exigências. Uma vez aceita, o chantagista quer sempre mais. A inflexibilidade de Dilma funcionou em fevereiro, na aprovação do salário mínimo, com adesão unânime dos partidos aliados. Mas cinco meses de silenciosa rejeição a pedidos por cargos levaram os partidos a retaliarem no episódio da crise de confiança do ministro Palocci e na votação do Código Florestal na Câmara.

Há 15 dias o governo está parado, a pneumonia da presidente a enclausurou ainda mais e o principal ministro se escondeu, acusado de enriquecimento ilícito. Empacaram assuntos que exigem ação rápida do governo, como a licitação de aeroportos para a Copa, tocada por Palocci, que, tocaiado, não se reúne com empresas interessadas. Os dois reapareceram na quinta-feira por determinação do interventor Lula.

Transparência, comunicação direta, diálogo sincero e aberto com a população são qualidades e o cacife político de bons governantes. Ao contrário da mentira camuflada, do jogo sujo e da chantagem. E, se os políticos são ou não os "picaretas" de Lula, é bom lembrar que foram eleitos pelo voto popular. Portanto, a presidente e seu primeiro-ministro não lhes podem negar o diálogo.

Nos próximos dias Dilma e Palocci se reunirão com os partidos aliados. É a oportunidade para os dois se explicarem. Ele, se nada tem a temer, se não praticou tráfico de influência, venha a público, identifique as empresas, o trabalho que realizou e quanto ganhou de cada uma. Ela deveria ouvir o que os políticos têm a dizer e reafirmar que seu estilo de governar não aceita o jogo da barganha, da chantagem, do toma lá dá cá de seu antecessor. E que o sistema de representação democrático-partidária já está contemplado na composição do primeiro escalão. O segundo escalão precisa ter perfil técnico para dar eficiência à gestão e frear interferências políticas que resultem em corrupção, favorecimentos e desvios de dinheiro público.

Dilma precisa falar, reagir, provar ao País que não é um poste nem está ali esquentando cadeira para Lula.

Jornalista, é professora da PUC-Rio

FONTE:O ESTADO DE S. PAULO

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