terça-feira, 21 de junho de 2011

Da tribuna da Câmara, Freire conclama esquerda a se reaproximar da sociedade

Freire afirma que há espaço para uma esquerda democrática, reformista e moderna

A queda do muro de Berlin foi muito mais que um epílogo dramático de um tipo de Estado. Foi a materialização do fim concreto de uma era histórica. O colapso do socialismo real, depois de um longo período de agonia, teve várias causas: políticas, econômicas, sociais, etc. Mas, a mais importante de todas e que definiu a sorte dessa experiência histórica foi política! Ao não desenvolver formas democráticas de participação da sociedade, assentada na livre organização partidária, liberdade de expressão e de impressão, por conta da realidade de partido único, o Socialismo Real sucumbiu frente a sua contradição fundamental: o não exercício da liberdade e sua incapacidade de tornar-se uma experiência democrática para além do liberalismo clássico.

Além disso, e como conseqüência direta da falta de liberdades públicas, no que respeita a economia, os países do campo “Socialismo Real”, a despeito de avanços significativos de sua tecnologia, não puderam acompanhar os efeitos da revolução científica e tecnológica no mundo capitalista. Por conta do controle burocrático dessas economias, por parte do Estado, e sua incapacidade de responder às demandas crescentes de seus cidadãos.

O PPS foi fundado ao final de um processo de discussão em que a auto-reforma do regime socialista aparecia como uma possibilidade real. O fracasso dessa reforma mostrou a incapacidade do regime de conduzir a bom termo uma transição na direção de um socialismo democrático.

Há pouco menos de 20 anos o PPS era fundado, no X congresso do PCB. Inspirado na avaliação crítica da trajetória do socialismo real. Propunha, então, uma alternativa de mudança, na perspectiva de uma esquerda moderna sob a diretriz da democracia. Definiram-se então a radicalidade democrática como objetivo e instrumento de mudança, a reforma democrática do Estado como estratégia de ação, o conceito de Poder Local como o locus privilegiado da ação da cidadania, as forças emergentes do novo mundo do trabalho e da cultura como parceiros preferenciais e a construção de um partido de novo tipo e de uma nova formação política como ferramentas desse projeto.

Vivemos uma quadra histórica de transição aberta a novas e inéditas possibilidades, onde o processo de globalização se concretiza na montagem de blocos regionais geopolíticos e econômicos, e os desafios do desenvolvimento com suas novas formas de tecnologia de informação e de produção necessitam uma compreensão revolucionária dos limites ambientais, hoje, um dos aspectos mais problemáticos e centrais da existência da humanidade a longo prazo.

Nesse mesmo período consolidou-se um conjunto de países (Brasil, Rússia, Índia e China) nominados “emergentes” que com suas características diferentes e variada inserção no mercado mundial tem se consolidado como o novo motor do dinamismo do referido sistema.

No entanto, o mais importante dessa nova realidade que transcende o mero fenômeno econômico são suas conseqüências políticas, com o estabelecimento de um mundo multipolar, fortalecimento do movimento democrático, como podemos testemunhar no levante de vários povos do Norte da África e do Oriente médio, sem falar na ampliação do processo democrático na América Latina, continente que por várias décadas recentes conheceu governos autoritários e oligárquicos.

Para nós, particularmente, o caminho foi extremamente difícil e complexo. A esquerda durante décadas concentrava sua ação em três vertentes básicas: Lutava por amplo processo de reforma agrária, buscando combater o latifúndio, e incorporar no processo político a grande massa de trabalhadores rurais, que viviam subalternizadas à figura dos “coronéis”, sobretudo no Norte e Nordeste; Incrementar a industrialização nos mais diversos setores da economia, como forma privilegiada de desenvolvimento nacional, fortalecendo os nexos sindicais e partidários com a crescente classe operária; Por fim, um vigoroso esforço no sentido de se ganhar a intelligentzia e a juventude na luta contra o imperialismo, por uma concepção nacionalista do processo revolucionário. Tendo como pano de fundo a realidade da bipolaridade da guerra fria.

Nosso primeiro e decisivo passo no sentido de uma compreensão estratégica da democracia fizemos com a Declaração de Março, de 1958. Quando o PCB fez uma profunda autocrítica de seus posicionamentos. Fomos um dos primeiros Partidos Comunistas que elaborou teoricamente e mais tarde na prática, o aprofundamento da democracia como o eixo central da transformação social que advogávamos.

Defendíamos então que a possibilidade do caminho pacífico da revolução brasileira seria possível “em virtude de fatores como a democratização crescente da vida política, o ascenso do movimento operário e o desenvolvimento da frente única nacionalista e democrática em nosso país. Sua possibilidade se tornou real em virtude das mudanças qualitativas da situação internacional, que resultaram numa correlação de forcas decididamente favorável à classe operária e ao movimento de libertação dos povos”.

A partir dessa Declaração, os comunistas do PCB estabeleceram como norte de sua ação política a ampliação e aprofundamento do processo democrático como via privilegiada para a conquista do Socialismo.

O processo democrático inaugurado em 1946, foi interrompido por um golpe militar, em meio ao crescente processo de radicalização das posições políticas, materializadas no amplo espectro das lutas populares, durante o governo do presidente João Goulart. O golpe que contou com o decisivo apoio do governo americano e foi um dos primeiros de um número infidável de intervenções militares no mundo hegemonizado pelo EEUU no período da guerra fria.

No campo da esquerda, os comunistas do PCB, desde dezembro de 1967, em seu VI Congresso, depois de uma análise da situação internacional e de uma avaliação crítica das transformações que o país tinha vivenciado, desde o pós-guerra, estabeleceram como núcleo de sua ação no combate à ditadura militar que sua “principal tarefa tática consiste em mobilizar, unir e organizar a classe operária e demais forças patrióticas e democráticas para a luta contra o regime ditatorial, pela sua derrota e a conquista das liberdades democráticas. A realização dessa tarefa está estreitamente ligada aos objetivos revolucionários em sua etapa atual e ao desenvolvimento da luta da classe operária pelo socialismo”.

Contra a esquerda encantada com a guerrilha que apostava na luta armada como principal via para derrotar o regime e implantar o “socialismo” no país, trabalhávamos para unir os democratas dentro dos marcos legais, em um processo de acumulação de forças permanente, estabelecer o Estado Democrático de Direito.

A base do programa mínimo que colocamos para as demais forças democráticas tinha como primeiro e principal ponto, para a derrota da ditadura, “a revogação da Constituição de 1967 e de todos os atos ditatoriais que restrinjam ou anulem as liberdades democráticas; restabelecimento dos direitos trabalhistas violados ou revogados pelo regime autoritário; liberdade e autonomia sindicais; libertação dos presos políticos e anistia geral; convocação de uma assembléia constituinte, através de eleições livres, a fim de elaborar-se uma constituição democrática; restabelecimento de eleições diretas para a Presidência da República; livre organização e funcionamento dos partidos políticos, inclusive do Partido Comunista; autonomia dos Estados e das capitais; eleições diretas para todos os cargos eletivos.”

Foi um duro e árduo caminho que atravessamos, mas todos os pontos que defendemos em 1967 e que foram também defendidos pelos mais diversos segmentos democráticos, mostraram-se corretos e consolidaram uma ampla frente democrática que derrotou a ditadura militar.

Vencida essa etapa, em grande medida por conta da unidade das forças políticas comprometidas com o estabelecimento do processo democrático e da crescente mobilização dos mais diferentes setores da sociedade, a tarefa agora era compreender os novos desafios postos pela mudança da nossa realidade social e política. De um lado, o rápido processo de urbanização do país, com seus inúmeros problemas envolvendo a qualidade de vida desses centros urbanos, consolidado em metrópoles e megalópoles. De outro, superar o crônico processo de inflação que corroia a economia por dentro, impedindo o desenvolvimento do país e sacrificando a vida de milhares de trabalhadores, por conta de um processo de transferência de renda onde os maiores perdedores eram estes.

Depois de várias tentativas, foi no governo Itamar Franco, a partir do Plano Real, que se conseguiu efetivamente dotar o país de moeda com credibilidade internacional, e quebrar a espiral inflacionária que paralisava a economia. Para tanto foi necessário implementar uma série de mudanças no trato do orçamento público, por meio da Lei de Responsabilidade Fiscal, abrir a economia ao investimento privado em alguma áreas controladas pelo Estado, como a telefonia e a mineração, e dotar a administração pública de uma racionalidade gerencial que tinha nas Agencias Fiscalizadoras a pedra angular de um novo tipo de Estado.

O governo Fernando Henrique Cardoso criou as bases macroeconômicas para um processo de desenvolvimento econômico com grande capacidade distributiva por meio de uma série de planos que tinham como fim as classes e segmentos sociais nos estratos inferiores da sociedade. A capacidade de inclusão do processo de desenvolvimento tornou-se uma tônica importante de seu governo. O fracasso dessa política, em seu governo, deveu-se mais a fatores externos, em função de sucessivas crises econômicas internacionais, no momento em que o real estava se consolidando e a tarefa de vencer a inflação ainda não estava garantida.

De todo modo, mostrou-se um governo reformista que enfrentou alguns dos problemas crônicos do país, e colocou na pauta do dia as necessárias reformas democráticas do Estado brasileiro. Mesmo não conseguindo unir a esquerda em torno de seu projeto, fez avançar algumas importantes reformas que consolidaram o processo democrático no país.

O governo Lula que lhe seguiu pareceu no primeiro momento capaz de efetivar as necessárias transformações no âmbito do Estado e atuar no sentido de ampliar as reformas iniciadas no governo anterior. Deu continuidade a política macroeconômica, com um maior incremento nos aumentos de salários para os de menor renda bem como um incentivo ao consumo via expansão do crédito e a ampliação das políticas sociais compensatórias. Beneficiou-se do boom da economia mundial e descuidou-se do aproveitamento das oportunidades para um crescimento econômico maior e desenvolvimento social mais efetivo do país.

Vivemos a realidade de um novo governo que em menos de seis meses com denuncias de corrupção, ineficiências e incapacidades gerenciais de sempre mostram uma clara continuidade numa realidade econômica bastante diversa, de crise mundial e desequilíbrios internos como, por exemplo, os riscos da volta da inflação, já experimenta um envelhecimento precoce.

Pior ainda é vermos o governo se perder nos seus bolorentos conchavos políticos onde o que mais impressiona, além da amplitude de sua base parlamentar, é a prodigiosa incapacidade de realizar as amplas reformas democráticas que a sociedade exige e o Estado necessita para sermos contemporâneos do futuro que já se faz presente, no que se convencionou chamar de “sociedade do conhecimento”, que cada vez mais se impõe como um desafio permanente da Nação.

Justamente para aprofundarmos a compreensão dos atuais fenômenos políticos, econômicos, e sociais que enquadram a realidade que vivemos, e estarmos não apenas preparados para melhor respondê-los como garantirmos a melhor maneira de efetivarmos nossas deliberações, é que realizaremos no final deste ano nosso XVII Congresso. Aberto à participação de todos os democratas, filiados ou não, ao Partido para uma oportunidade de reflexão coletiva sobre o elenco de transformações a que somos desafiados a responder.

Nesse sentido é fundamental definirmos nosso campo político e sua razão de ser. Para tanto é indispensável debater o significado da esquerda no mundo atual, suas diferenças em relação ao campo da direita, assim como as divisões internas à esquerda e nosso posicionamento em relação a elas.

Esquerda significa, hoje como ontem, tomar a equidade como valor fundamental e problema principal da agenda da política. Significa reconhecer que o sistema capitalista de produção não apenas cria e perpetua a desigualdade, mas que também a justifica. E que as soluções da direita liberal e conservadora, baseadas tão somente na “lógica do mercado”, materializada no que se convencionou chamar de “racionalidade do capital”, não são, portanto, aceitáveis para nós.

Afirmamos a atualidade e importância da oposição entre esquerda e direita para a descrição e entendimento do campo da política. A tese do fim dessa oposição, do fim da esquerda em particular, foi alimentada pelas crises que atingiram sucessivamente os modelos originados dessa matriz: seja o socialismo real, seja a social-democracia.

As conclusões políticas firmadas no começo do século passado, se apontavam para a direção correta, e eram arrojadas para a época, foram, porém, tímidas vistas de hoje. Era e é necessário reconhecer o fracasso do modelo bolchevique, inspirado na revolução de outubro, teorizado por Lênin e reproduzido pelos partidos comunistas. Insurreição, assalto ao poder, estatização dos meios de produção, regime de partido único. Essa receita que pareceu por um tempo o único caminho para o socialismo revelou-se um beco sem saída. Justamente por não fazer avançar o processo democrático para além do controle do Estado dos meios de produção. Por não estabelecer a democracia como fundamento inalienável do processo.

Aprendemos com o século XX que, considerando um conceito exigente de socialismo, que contemple a dimensão da democracia e da sustentabilidade das conquistas alcançadas, nunca, em nenhuma das tentativas realizadas, a aplicação dessa fórmula levou ao socialismo. Insurreições são capazes de derrubar governos, mas não de mudar as relações entre os homens. Essas relações somente mudam na política, em condições de ampliação e consolidação de processos democráticos, por meio do controle do Estado pela sociedade civil.

Anterior ao colapso do socialismo real foi a crise da social-democracia. Não a social-democracia no sentido amplo, como opção de esquerda pela mudança no interior das instituições democráticas, como contraposição ao revolucionarismo bolchevique, mas a social-democracia como modelo de domesticação e “humanização” do capitalismo, inspirado em Keynes. A receita aqui foi outra. Estado forte, produtor de insumos básicos, engenheiro da prevenção de crises. O Estado que, como fiador simultâneo do lucro dos empresários e da segurança dos trabalhadores, exige em troca o voto dos cidadãos e garantia de emprego e salário dos capitalistas. O Estado da democracia representativa, no qual as decisões são tomadas por governantes eleitos e representantes corporativos de trabalhadores e empregadores.

A crise desse modelo e a hegemonia liberal de quatro décadas que se seguiu à idade de ouro da social-democracia não decorreram de capitulação política, mas de dificuldades estruturais do modelo em condições de globalização e revolução tecnológica. A crise dividiu a social-democracia. Sua ala mais tradicional considerou a tentativa de adaptação dos partidos socialistas, trabalhistas e social-democratas à nova realidade uma rendição ao liberalismo. Mantém, até hoje, a proposta social-democrata num mundo sem condições de sustentá-la.

Nesse mundo, a possibilidade do pleno emprego desapareceu, a margem de variação das políticas econômicas dos estados nacionais encolheu, o estado de bem-estar social tornou-se mais caro e menos eficiente e um número cada vez maior de problemas passou a depender de soluções negociadas no âmbito supranacional. Nessas condições, a aplicação da velha receita da social-democracia parece muitas vezes gerar efeitos opostos aos que provocou na idade de ouro do modelo. Estagnação econômica, aumento da desigualdade e inflação.

A ala renovadora da social-democracia, por sua vez, compreendeu, em linhas gerais, a necessidade da mudança e seu rumo, mas com uma importante omissão. Perceberam a insuficiência do Estado para regular o mercado e a necessidade, de um lado, de instâncias reguladoras supranacionais e, de outro, da regulação da sociedade civil organizada no plano local. Perceberam que um projeto renovado de esquerda deveria transitar do Estado na direção do auto-governo e que um novo Estado, reformado, era indispensável para essa travessia.

Não perceberam, contudo, a necessidade de um caminho semelhante no interior do próprio mercado. A emergência e importância cada vez maior do novo mundo do trabalho, que reúne trabalhadores por conta própria, trabalhadores familiares, terceirizados, micro e pequenos empresários, cooperativas e trabalhadores com participação nos lucros das empresas, exigem também mudanças, no rumo do aumento da iniciativa, da responsabilidade e da participação dos trabalhadores na gestão das empresas.

Nessa segunda dimensão da mudança, subestimada ou ignorada pelos social-democratas renovadores, o caminho vai do Estado para a autogestão. Essa omissão levou todos os social-democratas renovadores a naturalizar, na prática, o mercado e a aproximar-se das propostas liberais. Comprovada, na recente crise econômica mundial, a incapacidade de o liberalismo gerir e equacionar os problemas que produz, o status quo mostrou sua cara: um pêndulo que oscila entre a lógica do mercado liberal e o estatismo conservador da social-democracia tradicional.

Em que medida é possível qualificar de conservador a mesma relação de políticas baseadas na intervenção do Estado que víamos como progressistas no passado? Na medida em que seus efeitos hoje parecem ser opostos aos verificados ontem. O antigo estatismo, associado comumente ao nacionalismo e ao desenvolvimentismo, produziu desenvolvimento nacional, crescimento econômico e, embora em medida muito menor que a social-democracia européia, redução das desigualdades, inclusão social e segurança dos trabalhadores. A reprodução contemporânea dessa receita parece, por sua vez, produzir estagnação econômica, aumento da desigualdade e pauperização da população. O ponto fundamental é reconhecer que não é a maior ou menor presença do Estado, mas sim a função desse Estado, que define uma posição de esquerda. Estatismo conservador é estado forte que se limite a arrumar a economia durante as ressacas do liberalismo, é estado forte que permite a manutenção ou aumento da desigualdade, é estado forte que subordina as questões da equidade, da democracia e da sustentabilidade a objetivos estratégicos outros.

Por isso é urgente o aggiornamento da esquerda democrática. A crítica a partir do estatismo não representa necessariamente mudança e pode implicar retrocessos, do ponto de vista da democracia e da equidade. Nessa perspectiva, o avanço consiste em incorporar de forma resoluta e completa a questão da equidade na perspectiva da democracia e da sustentabilidade. Em suma, de forma simplificada, o revolucionarismo, no seu horizonte, pretendia pôr fim ao mercado. A social-democracia pretendia domesticar e humanizar o mercado. A esquerda democrática e moderna deve partir de uma visão mais ampla colocando-se como propositora de um programa que vise, ao mesmo tempo, regular o mercado, e ao mesmo tempo democratizar o Estado

No quadro partidário brasileiro. A direita, liberal ou conservadora no Brasil, herdeira do Centrão da Constituinte, reúne-se hoje na maioria dos partidos do oficialismo. Esse conjunto de partidos- alguns na sua totalidade como PP , os vinculados a igrejas evangélicas PR e PSC, outros por segmentos ou parcelas majoritárias como PMDB - mais preocupados em apoiar governos e deles participar que em disputar eleições presidenciais é heterogêneo do ponto de vista de sua história e composição social.

Hoje seu norte comum é o apoio ao governo da vez, por meio da abdicação dos poderes legislativos em troca de participação na máquina estatal. Exercem poder de veto sobre toda e qualquer proposta que extrapole os limites dos interesses dominantes ou implique reforma do Estado.

A regra eleitoral, personalista e antipartidária, que vigora no país favorece uma tendência à homogeneização em torno desse padrão que afeta em maior ou menor medida a todos os partidos. Difícil é imaginar nas condições presentes a possibilidade de um governo que consiga autonomizar-se por completo desses partidos. Deve ficar claro, contudo, que o alcance e a profundidade das mudanças progressistas estarão em relação inversa ao seu peso na coalizão governamental.

Os Democratas buscam afirmar um projeto, ainda não concretizado, de construção de um partido de direita liberal. Ancorado em lideranças locais conservadoras, instaladas por décadas no poder, mostra dificuldades de operar afastado das máquinas do Estado. A sua dissidência recente, o PSD, mostra essa dificuldade oposicionista e esperança de coexistir no espaço, aparentemente já saturado, para mais uma sigla no campo do governismo.

Finalmente temos os dois partidos que com mais densidade eleitoral polarizam as disputas desde 1994: PSDB e PT.

O PT foi criado como tentativa consciente de modernizar o projeto revolucionarista, mas sob o discurso do novo persistiu o velho projeto. Sua crítica ao socialismo real não foi de fundo, a partir da questão democrática, mas permaneceu na superfície: a burocratização e os desvios, supostamente à direita, em relação ao modelo original. A experiência eleitoral e, principalmente, a conquista de importantes prefeituras, levaram o PT rapidamente para uma postura social-democrata clássica. A prática do partido à frente do governo, a partir de 2002, foi além e reproduziu, sem discussão interna, políticas e propostas anteriormente criticadas no governo anterior.

Coexistem no PT hoje as duas faces da social-democracia: mercadismo liberal e o estatismo conservador. Ambas abraçadas de maneira pragmática, não refletida, de forma a conservar todo o vezo autoritário herdado do revolucionarismo.

O projeto do PT, além disso, mantém, de forma amplificada, a inspiração sindicalista que se encontra na sua origem. Portador de uma visão concentrada nos interesses econômicos das classes subalternas, mal consegue ultrapassar a perspectiva da democratização da sociedade pela via do consumo. Sem capacidade de universalização de um projeto transformador da sociedade, desconsidera as dimensões da participação, da iniciativa e da responsabilidade dos cidadãos, tanto na política e quanto na gestão econômica.

O PSDB procurou desde sua fundação, ao separar-se do PMDB, uma identidade social-democrata. No governo FHC avançou para uma posição renovadora e foi o grande responsável pela revolução econômica e social que se iniciou com o Plano Real e que está na base de todos os avanços obtidos nos últimos 15 anos. No entanto, os avanços foram limitados pela aliança conservadora que sustentou o governo, pelo sectarismo da oposição e pelas divisões internas do partido. As candidaturas presidenciais posteriores mostraram a ambigüidade e vacilação do PSDB na defesa de seu legado à frente do governo.

Nesse quadro partidário há, sem dúvida espaço para uma esquerda democrática, reformista e moderna. A condição de sua viabilidade é a afirmação política clara de suas posições, capaz de demarcar suas diferenças em relação tanto ao revolucionarismo quanto às diferentes manifestações partidárias da social-democracia.

O primeiro passo para enfrentar esse desafio é entender que a sociedade humana, cada vez mais complexa em suas formas de organização interna, e cada vez mais conectadas com outras realidades e culturas em âmbito planetário por conta da revolução cientifica, das inovações tecnológicas e da informação, vivenciam de formas diferentes problemas comuns, como a cruciante questão do meio ambiente, que exigem das forças políticas, de Estados e dos indivíduos novas formas de relacionar-se com a natureza.

O desenvolvimento econômico ambientalmente sustentável e socialmente justo requer, para sua efetivação, um processo de reformas permanentes, envolvendo todas as etapas da vida social, partindo do pressuposto básico que é a compreensão que a idéia de liberdade não pode ser separa da idéia de igualdade. Que a riqueza socialmente produzida precisa ser socialmente distribuída.

O PPS quando surgiu, em 1992, já defendia a necessidade de uma nova formação política, por reconhecer que a sociedade industrial que fundamentava a razão de ser dos partidos transformara-se vertiginosamente, com o inicio do fim de uma era. E a nova realidade que surgia, e que hoje é uma característica fundamental do século XXI, marcada pela crescente influencia das tecnologias da informação (sociedade em rede), e uma profunda segmentação da sociedade, para além das classes sociais, vem tornando os partidos políticos um mero espectro do século XIX que cada dia tem menos funcionalidade e articulação como representação política da cidadania.

Por conta disso, o desafio da esquerda democrática não é apenas refundar-se. É construir uma nova forma de articulação com a sociedade, superando a função tradicional dos partidos políticos - mesmo que ainda preservando a institucionalidade de representação - buscando incorporar os diversos movimentos que se articulam no seio da sociedade, transformando-se em um “partido-movimento”, aberto às lutas difusas e dispersas no corpo social, pela ampliação do processo de liberdades democráticas e de igualdade social.

A esquerda democrática terá como tarefa fundamental catalisar todas as forças sociais, hoje dispersas, em um amplo movimento reformista, impondo ao Estado no relacionamento com seus cidadãos e com outros Estados, uma pauta centrada no desenvolvimento econômico ambientalmente sustentado e equânime na distribuição da riqueza, única forma eficaz de superar a catástrofe das guerras.

E mais, a esquerda democrática deve reconhecer que os diversos segmentos sociais, articulados em rede começam a ser cada vez mais sujeitos responsáveis pela implementação de mudanças de base, na esfera da vida real, cotidiana, cabendo-lhe articular-se com eles e quem sabe experimentar os embriões das futuras representações políticas da cidadania.

O desafio que estamos lançando é transformar a política de mero jogo do poder em uma atividade que dá sentido às demandas do todo, a partir da responsabilidade de cada um. A política não apenas como exercício da liberdade, mas como efetivação da igualdade, no momento em que a capacidade produtiva instalada no planeta estiver voltada para a satisfação das necessidades do gênero humano, e não da reprodução do capital.

A tarefa central da esquerda democrática é tornar-se um movimento aberto à participação dos mais diversos segmentos com suas demandas e bandeiras e tornar o Estado um instrumento de transformação das condições de vida, garantindo-se a mais ampla liberdade na busca da mais efetiva igualdade.

FONTE: PORTAL DO PPS

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