segunda-feira, 6 de junho de 2011

A estratégia é desafiar o público ou debochar dele? :: Marco Antonio Rocha

O governo do Brasil mostra-se empenhado em enfrentar, desafiar e provocar a opinião pública. É uma antipolítica que se manifesta em diversos ministérios, espalha-se por vários órgãos públicos e dela não se exime nem a Presidência da República. Sinais do fenômeno emanam desde pequenas decisões quase imperceptíveis, locais ou regionais, ou se agigantam com espalhafato nas manchetes, mas sempre com o viés de provocação e desafio ao público.

Muita gente talvez não perceba, por não ligar lé com cré - como se diz - nem atinar com fatos aparentemente desconexos que se casam no contexto maior do enfrentamento que a classe governamental está promovendo contra a população, principalmente contra o eleitorado.

Vamos a alguns.

Fato 1 - Um ministro da Educação destrói sistematicamente a credibilidade dos exames de avaliações do ensino, de estudantes e de escolas. Deixa passar por entre as pernas, como frangueiro, patacoadas de uma administração inepta povoada de energúmenos, tais como cartilhas que consideram que o falar e o escrever errado é que são o certo, a pretexto de tornar a cultura mais "acessível"; ou kits de pretensa propaganda contra a intolerância, mas que na prática encerram intolerância com sinal trocado; ou propostas de reformas curriculares que deixam perplexos os educadores sérios e que não podem ser levadas a sério. Mas nada, absolutamente nada, acontece com o desastrado e desgastado ministro. Ao contrário, o governo não só o defende contra tudo e contra todos, como o estimula a engendrar mais provocações.

Fato 2 - Um projeto descabelado, perdulário e hostil sob todos os pontos de vista, mas principalmente sob os aspectos ambiental e social, tecnicamente absurdo, de uma hidrelétrica cuja produção consumirá três vezes mais recursos para ser transportada até onde possa ser usada, é descartado até por empreiteiras que poderiam encher os bolsos com ele - pois seus donos temem terminar atrás das grades, quando algum governo sério resolver reexaminar o assunto. No entanto, o atual governo e o principal órgão de proteção do meio ambiente batem o pé, numa atitude que parece de pura birra, e se acham a ponto de empurrar o projeto goela abaixo da Nação, à custa do erário e da paciência do público.

Até a Anistia Internacional entrou no circuito, pedindo a suspensão da tresloucada obra. Mas o governo faz ouvidos moucos. Por que será? Só porque a padroeira da obra é a nossa presidente? Não pode ser. É a síndrome do desafio que infecta o governo brasileiro desde que o PT ascendeu (já apresentara um surto bravo no tempo dos militares). É interessante ver quanto o governo do PT se assemelha, e não só nesse aspecto, ao dos militares.

Fato 3 - Para não alongar, temos agora o caso do mais bem-sucedido consultor de empresas do planeta. O ministro que multiplicou 20 vezes o seu patrimônio pessoal em apenas um ano e em cuja defesa se envolve todo o governo, não para pedir a ele alguma explicação plausível para o fenômeno, e sim para tentar descobrir quem foi que dedou o malsinado, se foi gente do PSDB ou do próprio PT, ou até do PMDB. Embora constasse da notícia original, da Folha de S.Paulo, que a grande mandracaria se dera em quatro anos, o seu autor esclareceu que foi no último ano do período que ocorreu a multiplicação de pães e peixes, quando seus clientes, afinal, pagaram seus serviços. Portanto, na prática, segundo suas próprias palavras, o tsunami de dinheiro entrou em um ano apenas. O que nos conta, a respeito, a solerte Receita Federal? Nada. Os dados do contribuinte são sigilosos, a não ser quando ele é adversário do governo. Quem sabe o poderoso ministro já não foi notificado para se apresentar à Receita e dar explicações? E por que nós não estamos sabendo? Porque as explicações também são sigilosas?

Mas, afinal, o que realmente importa tanto nesse episódio quanto nos anteriores não é a explicação que o ministro alinhave sobre o seu estranho enriquecimento. Seja qual for essa explicação, ninguém acreditará mesmo. O fato é que uma montanha de dinheiro entrou nas contas da sua empresa - que até então tinha faturamento medíocre - justamente no ano em que ele funcionou como tesoureiro da campanha da candidata à Presidência. O ministro não precisa, pois, explicar nada, todo mundo já entendeu. Quem deve explicações é o governo: por que manter, preservar e defender um alto funcionário que está sob profunda suspeita de todos, até de aliados? Só para desafiar os adversários? Mas o desafio aos adversários toma agora o lugar da satisfação ao público?

Por que essa desesperada tentativa de salvação do desastrado, com mobilização do ex-presidente e de um poderoso trio de zaga - Temer, Sarney, Calheiros - "de inenarrável beleza moral", como diria Assis Chateaubriand?

Por que tirar os holofotes desse assunto, providenciando um factoide de lançamento de um repeteco do Bolsa-Família - durante o qual o ministro é fotografado embaixo do slogan "Brasil sem Miséria"?

Isso é desafiar os adversários? Ou já é, simplesmente, debochar da opinião pública?

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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