domingo, 26 de junho de 2011

Ideologias:: Merval Pereira

A coalizão partidária que apoia o governo de Dilma Rousseff é a mais abrangente já organizada desde a redemocratização do país, unindo um leque amplo de partidos que vai, na teoria, da extrema-direita à extrema-esquerda, embora no Brasil seja difícil colocar-se partidos nos extremos do espectro político.

O PP tem características de extrema-direita quando o deputado Jair Bolsonaro radicaliza nas suas campanhas homofóbicas, ou defende a tortura como método de repressão política, mas não assume essas ideias como metas partidárias.

O PCdoB poderia ser classificado de extrema-esquerda, mas como se vê no debate sobre o novo Código Florestal, pode fazer acordos com os ruralistas na defesa mais abrangente da garantia da produção nacional de alimentos.

A disputa entre o Democratas e os dissidentes que deixaram o partido para formar o futuro PSD liderado pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, demonstra que o espectro político que ocupa a centro-direita ainda pode ser um bom nicho eleitoral, embora nenhum político ouse assumir tal identificação.

O ex-deputado federal José Carlos Aleluia, na época em que foi líder do extinto PFL, chegou a esboçar uma definição mais explícita da posição doutrinária do partido, afirmando que pretendia ocupar o espectro político do centro para a direita.

Hoje, mesmo sem mandato, continua fazendo parte do grupo que "pensa" o Democratas, e acredita que o partido tem um papel "central" na política do país, evitando o termo "direita".

Já o deputado federal Chico Alencar, do PSOL do Rio, acha que problema maior do que partidos não se assumirem como de direita é "partidos que deixaram os princípios da esquerda não reconhecerem isso".

Ele diz que os que classificam o PSOL de extrema-esquerda "quase sempre são aqueles que ainda enxergam, com óculos de lentes interessadas, postura de esquerda no PT, PCdoB, PSB, PDT".

Chico Alencar define como "princípios da esquerda" a aposta na radical igualdade entre os seres humanos, respeitada sua diversidade, e sua viabilização na igualdade de oportunidades, através do que chama de "democracia de alta intensidade", de participação popular permanente, da socialização dos grandes meios de produção e dos meios de governar.

A busca do socialismo, que ainda consta do ideário do PT, por exemplo, seria, para Alencar, "obra de longo prazo histórico, a ser construída por milhões de cidadãos conscientes - sob pena de ser um arremedo autoritário de socialismo, com suas "dachas" e "nomemklaturas", como tantas vezes já aconteceu".

Segundo ele, muitos partidos com socialismo no nome, ou no programa, não têm hoje qualquer compromisso com esse projeto: "flexibilizaram fronteiras éticas e ideológicas, curvaram-se à lógica pragmática do poder. E, assim, vão sendo deteriorados pelo clientelismo, pelo fisiologismo, pelo patrimonialismo, pelas campanhas eleitorais milionárias com cabos eleitorais pagos - o que antes era uma heresia".

O deputado Chico Alencar cita o caso Palocci, a quem classifica de "próspero dirigente do PT", como o exemplo mais recente desta degradação. Mas cita também "o jovem Gabriel Chalita, tido como promissor quadro político, originário do PSDB, eleito deputado federal pelo PSB e agora no PMDB", que para justificar essas mudanças, alega que "todos os partidos são iguais".

Na análise de Chico Alencar, há, no Brasil, um "centrão conservador" que cria identidade, de fato, entre PT/PMDB e seus caudatários e PSDB/DEM e outros; entre governo e oposição conservadora. Inclusive em grave naturalização da corrupção, com um polo anulando a crítica do outro, por inautêntica.

"O anódino PSD de Kassab, onde tudo cabe, é expressão dessa descaracterização (hegemônica) política". Para ele, "os gatos podem se parecer pardos, mas não são, e nem cabem, todos, no mesmo saco, embora estejam, em conflito, na mesma cena política institucional".

O ex-deputado José Carlos Aleluia entende que as críticas aos partidos políticos "refletem o desconforto geral com a insensibilidade da classe política no que respeita à reforma política - ignorando solenemente que no governo representativo a democracia se exerce através de partidos políticos - e não há por que multiplicá-los".

Em termos programáticos, diz ele, devem advogar determinado modelo de sociedade, que não são muitos. Aleluia reivindica para seu partido "a procura de formas de melhorar a qualidade do processo político, inclusive não nos limitando à atuação legislativa".

Ele destaca que decorreu de iniciativa do Democratas a decisão do Supremo Tribunal Federal de que o mandato pertence ao partido, "oficializando nosso entendimento, nos termos da Constituição".

Graças a tal decisão, destaca Aleluia, passou a vigorar o princípio da fidelidade partidária, "sem dúvida grande avanço".

Ele ressalva que, a partir da criação da Frente Liberal "que viabilizou a transição pacífica dos governos militares, através da eleição de Tancredo Neves", seu partido nunca pretendeu se situar à esquerda do espectro político, nem sequer se confundir com a social democracia.

"Na verdade, ocupamos um papel central na vida política do país, assegurando a convocação da Assembleia Constituinte, compromisso que havíamos assumido no processo de abertura; alertando a Nação para os retrocessos que a Carta inseria e corrigindo-os, quando se apresentou a oportunidade".

Aleluia, depois de destacar que seu partido sempre trabalhou para garantir o funcionamento das instituições democráticas, diz que o Democratas mantém "os mesmos princípios e a determinação de construir uma nação onde o estado seja regulador e não protagonista em áreas em que a iniciativa privada é mais competente e tem mais a contribuir com o Brasil. Entendemos que o Estado deve cuidar prioritariamente da educação, da saúde e da segurança dos brasileiros".

FONTE: O GLOBO

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