terça-feira, 14 de junho de 2011

Incêndio ainda não apagado

Bombeiros ameaçam voltar às ruas se governo não antecipar reajuste, que pode custar R$4,6 bilhões

Ana Cláudia Costa, Natanael Damasceno, Fábio Vasconcellos e Rafael Galdo

Após uma manhã de reuniões, um grupo de deputados estaduais decidiu ontem acrescentar duas emendas à proposta de antecipação salarial de 5,58% para o Corpo de Bombeiros, enviada pelo governador Sérgio Cabral à Alerj, na tentativa de contornar a crise na corporação. As mudanças feitas pelos parlamentares estabelecem que os aumentos parcelados de 1% ao mês, fixados pelo governo até o fim de 2014, serão concedidos imediatamente. Outra medida determina que a categoria terá ainda um aumento complementar de 33%, totalizando um piso de R$2.300. Se apenas a proposta de antecipação for aprovada, o impacto imediato nos cofres do estado pode chegar a R$4,6 bilhões, já que outras categorias, como policiais militares da ativa, aposentados e pensionistas, além dos policiais civis, também cobram o benefício. No fim do dia, os líderes do movimento dos bombeiros, entre eles Benevenuto Daciolo, ameaçaram voltar às ruas caso as reivindicações não sejam atendidas.

Hoje, os deputados que negociam uma saída para a crise pretendem discutir as mudanças com a base do governo. A negociação não será fácil. O impacto total nas contas do estado é o equivalente ao orçamento da Secretaria estadual de Saúde previsto para este ano, que é de R$4,7 bilhões. Se for aprovada apenas para os bombeiros, a antecipação causará um impacto de R$1 bilhão. O governo do estado não quis comentar as propostas.

Outra mudança apresentada pelos deputados à mensagem do governador determina que os bombeiros passem a receber vale-transporte. Para todas as propostas, a Alerj não definiu quais serão as fontes de recurso.

- O adiantamento que o governador ofereceu não contempla a proposta original do grupo. Por isso estamos apresentando essas emendas. Isso aproxima mais o texto do que os bombeiros reivindicam - disse o deputado Marcelo Freixo (PSOL).

Proposta é inviável, diz líder do governo

De acordo com o líder do governo, deputado André Corrêa (sem partido), a proposta dos deputados a favor dos bombeiros é inviável:

- Quem coloca uma proposta dessas não quer uma solução. E não conhece o mínimo de orçamento e finanças, pois essa proposta quebraria o estado.

Corrêa afirmou que, apesar do descontentamento dos bombeiros, o governo vem dando sinais de que quer encerrar a crise da melhor forma possível.

- Conseguimos fazer um esforço para garantir os R$323 milhões necessários para a antecipação do reajuste programado para este ano. E estamos falando de um reajuste significativo, que vai garantir só este ano mais de 11% a todas as forças de segurança. Isso é o dobro da inflação - argumentou o líder do governo.

Corrêa lembrou ainda a proposta do governo que modifica a destinação dos recursos do Fundo Especial do Corpo de Bombeiros (Funesbom). O governo pretende utilizar 30% do fundo para pagar gratificações à categoria. A proposta anunciada pelo governador no fim de semana não surtiu efeito entre os bombeiros. Líderes do movimento informaram que não a aceitam, já que as gratificações não respeitam a hierarquia de patentes militares, tampouco são incorporadas ao salário. Segundo o capitão Lauro Botto, o fundo não foi criado para dar aumentos aos militares, mas para custear a manutenção dos equipamentos dos bombeiros.

O presidente da Associação dos Ativos, Inativos e Pensionistas da Polícia Militar e dos Bombeiros, Miguel Cordeiro, lembrou que a legislação impede que a Alerj dê reajustes apenas a uma categoria militar - no caso, os bombeiros. Assim, caso a assembleia aprove antecipação do aumento, a medida abrangeria também os PMs.

- Essa reivindicação de antecipação é dos bombeiros e dos policiais militares também. Além disso, ela beneficiaria automaticamente os policiais aposentados.

O presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Rio (Sinpol), Fernando Bandeira, afirmou ver com bons olhos a proposta de antecipação dos reajustes. No acordo firmado ano passado com o governo, policiais civis também foram beneficiados com aumentos mensais até 2014. Os delegados, contudo, já tinham conseguido os reajustes em 24 parcelas, ou seja, até 2012.

- Essa emenda é muito boa. É um reajuste imediato. Logicamente, se for aprovada, nós vamos querer também. Mas a questão da Polícia Civil não é só salarial, queremos outras melhorais e já as apresentamos ao secretário de Segurança - disse Bandeira.

A proposta do governo de modificar a utilização do Funesbom foi apresentada após reportagem do GLOBO mostrar, domingo, que os recursos estão sendo usados para construção de pontes e pavimentação de ruas. Em 2010, o governo retirou R$12,7 milhões do fundo para realizar obras no interior do estado. O Funesbom, que administra os recursos da taxa de incêndio, é utilizado também para bancar viagens de bombeiros ao exterior. Este ano, o comando da instituição aprovou a utilização de R$624 mil para o pagamento de diárias de oficiais nos Estados Unidos e na Europa.

Na reunião na Alerj, participaram também os deputados Janira Rocha (PSOL), Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), Paulo Ramos (PDT), Flávio Bolsonaro (PP), Wagner Montes (PDT) e Clarissa Garotinho (PR).

Deputados brigam pela anistia

Os deputados favoráveis às reivindicações dos bombeiros não abrem mão também da anistia para os militares que foram presos depois da invasão ao quartel. Autores de propostas de emenda constitucional (PEC) - uma na Alerj e três no Congresso - eles esperam que os manifestantes não sejam punidos nem no processo administrativo nem no criminal.

Para o líder do governo na Alerj, deputado André Correa (sem legenda), as iniciativas dos deputados estaduais e federais fluminenses são em vão. Ele cita uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin 233-3/600 de 1990) que arguia a inconstitucionalidade de dois artigos da Constituição estadual, que previam anistia a servidores que tivessem sofrido penas disciplinares. A ação foi julgada procedente pelo STF em 1993. Além disso, ele diz que a discussão sobre anistia é extemporânea:

- Se ainda não há qualquer decisão, como dar anistia? Os processos serão instaurados, os acusados serão ouvidos e, aí sim, pode ser que haja alguma punição a ser anistiada.

Ontem, o secretário estadual de Defesa Civil e comandante do Corpo de Bombeiros, coronel Sérgio Simões, afirmou que, apesar de ter o dever de abrir procedimentos administrativos, "isto não indicaria o seu ânimo em aplicar alguma punição".

FONTE: O GLOBO

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