terça-feira, 28 de junho de 2011

Morre o mais político dos cineastas brasileiros

Aos 72 anos, Gustavo Dahl é vítima de infarto na Bahia; velório acontece hoje no Palácio Gustavo Capanema

Em 1960, quando os cineastas italianos Marco Bellochio, Gianni Amico e Bernardo Bertolucci se reuniam nas salas de aula do Centro Sperimentale di Cinematografia de Roma para trocar ideias sobre cinema, Gustavo Dahl estava lá, como aluno bolsista. Em 1963, quando o diretor francês Jean Rouch falou para um auditório lotado do Musée de L"Homme, em Paris, sobre cinema etnográfico, Gustavo Dahl também estava lá, como ouvinte. Na década de 1970, quando os brasileiros Cacá Diegues, Paulo César Saraceni e Oswaldo Caldeira assentaram um pouco mais os pilares do Cinema Novo, lá estava Dahl outra vez, como exímio montador.

Mas mesmo tendo circulado nas mais altas esferas do cinema mundial, o argentino, nascido em 1938, que se naturalizou brasileiro ficou mais conhecido país afora por sua atuação política. Sempre lutando em favor da produção nacional.

Melhora nas bilheterias

Em 1975, a convite do cineasta Roberto Farias, assumiu a superintendência de comercialização da produtora e distribuidora estatal Embrafilme e, com braço forte, conseguiu um feito: ajudou a elevar para um terço a participação do cinema brasileiro nas bilheterias do mercado nacional. Depois daquela época, ninguém conseguiu passar nem perto dessa marca.

- Ele era a pessoa mais generosa que conheci. Meu mestre, meu guru - conta o distribuidor Marco Aurélio Marcondes, que foi assistente de Dahl na Embrafilme nos anos 1970. - Com ele eu aprendi tudo. Devo tudo a ele. Daquela época para cá, fomos unha e carne.

Décadas depois, Dahl continuou sua atuação política pelo cinema brasileiro, contribuindo para a consolidação do plano estratégico que foi cunhado no início dos anos 2000 e batizado como Nova Política Cinematográfica. Com a força de seu trabalho, fez surgir a Agência Nacional do Cinema (Ancine), órgão que presidiu entre 2001 e 2006. Segundo Manoel Rangel, que hoje ocupa o posto de diretor-presidente da entidade, Dahl cumpriu com "competência e brilho a difícil missão de implementar e estruturar institucionalmente o órgão". Os primeiros passos dados por ele foram fundamentais para o cinema brasileiro.

Em seu currículo, Gustavo Dahl também acumulou outras presidências de peso para o setor: a da Associação Brasileira de Cineastas, a do Conselho Nacional de Cinema (Concine) e a do Conselho Nacional de Direitos Autorais. Atualmente, ocupava o posto de gerente do Centro Técnico de Audiovisual (CTAv), órgão do Ministério da Cultura.

Segundo Joana Nin, que assessorou Dahl nos últimos três anos no CTAv, havia um projeto para lançar uma caixa de DVDs que reunisse os filmes do cineasta. Eles chegaram a falar sobre o assunto na semana passada.

-- Ele era um grande professor. Eu tenho um sentimento de gratidão imenso, por tudo que eles nos ensinou, pela força que demostrava - ela diz. - Uma vez, na casa dele em Santa Teresa, numa reunião, começou um tiroteio. Eu fiquei morrendo de medo, mas ele disse que não era nada, que não precisávamos nos preocupar, que só reverberava lá. Quando passou, ele falou: "O medo é sempre maior antes."

Dono de uma escrita ácida e politicamente engajada, Dahl foi ensaísta e crítico e conquistou para si o título de um dos teóricos mais prolíferos do Cinema Novo. Seus textos, de leitura prazeirosa e contínua, foram publicados em diversos jornais do país e constam nos arquivos de revistas como "Civilização Brasileira" e "Cahiers du Cinéma"

Já em sua carreira como cineasta, Dahl produziu curtas e longa-metragens importantes para a segunda fase do Cinema Novo. Desses, o maior destaque foi "O Bravo Guerreiro", seu primeiro trabalho atrás das câmeras, lançado em 1968, e cuja história narra a decisão de um jovem deputado de oposição em mudar para o partido que estava no poder. São dele, ainda, "Uirá, um índio em busca de Deus", de 1973; e "Tensão no Rio", de 1982. Ele também escreveu e dirigiu especiais para a Rede Globo, entre eles "A promessa".

- Gustavo foi o grande pensador e teórico do Cinema Novo, com sua retórica inteligente e erudita - afirma o diretor Luiz Carlos Lacerda, o Bigode.

Como montador, Dahl ganhou prêmios com "A grande cidade", de Cacá Diegues, e "Passe livre", de Oswaldo Caldeira. Também são de sua autoria as montagens de "Integração Racial", de Paulo César Saraceni, e "Soledade", de Paulo Thiago.

Toda essa trajetória pelo cinema brasileiro, nos campos artístico e político, foi interrompida na madrugada de ontem. Enquanto assistia a um filme em sua casa em Trancoso, na Bahia, Dahl teve um ataque cardíaco. Ele foi socorrido e levado para um hospital de Porto Seguro, mas morreu no caminho, aos 72 anos de idade, deixando três filhos e três ex-mulheres - a atriz Maria Lúcia Dahl, a atriz e diretora Ana Maria Magalhães e Virginia Magalhães Pinto.

Em nota divulgada pelo Ministério da Cultura, a ministra Ana de Hollanda ressaltou que Dahl "doou generosamente sua experiência e sensibilidade a todos os órgãos pelos quais passou" e que era uma "figura humana, luminosa e divertida, que tornava as reuniões de trabalho ocasiões de enriquecimento cultural".

O corpo do cineasta chega ao Rio hoje pela manhã, e um velório será realizado no início da tarde no Palácio Gustavo Capanema, no Centro.

FONTE: O GLOBO

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