quarta-feira, 8 de junho de 2011

Sociedade da crise:: Rosângela Bittar

A presidente Dilma Rousseff combinou a mudança do governo com o ex-ministro Antonio Palocci e com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na tarde de segunda-feira. Até a meia-noite da mesma data a senadora Gleisi Hoffmann, cercada por assessores, na mesa de jantar de sua casa, levantava temas para o discurso de posse que vai proferir, hoje, às 16 horas, como ministra-chefe da Casa Civil da Presidência da República. Ela fez uma carreira meteórica, em Brasília, impulsionada por uma ação radical pelo PT, no Senado, e, principalmente, por uma atuação firme na crise política que se abateu sobre o governo depois de apenas cinco meses da posse. Gleisi não poupou crítica, interna, à forma precária como o governo vinha estabelecendo suas relações políticas, e não poupou defesa, pública, ao que vinha chamando de retomada do "nosso projeto", o do PT.

Definindo melhor a vocação da Casa Civil, agora voltada para a gestão do governo, a presidente Dilma foi buscar Gleisi para substituir Antonio Palocci. Falta ainda completar a transformação e preencher outras lacunas.

A presidente Dilma é senhora de toda a culpa, responsabilidade e falta de qualificação demonstradas na desastrada condução política até aqui. Ela nunca soube trabalhar essa seara, quando ministra, não gosta e não quer aprender, quando presidente. Mas faz questão de conduzir a ação e determinação a seus assessores encarregados formalmente da tarefa. Conversou pouco e com poucos sobre política. Palocci ficou sobrecarregado com tudo, e quando se jogou no meio da crise, a presidente, ao ir em seu socorro, paralisou o governo na gestão.

Palocci foi agente de sua própria desgraça política

Isso não confronta, porém, a constatação de que Antonio Palocci foi senhor dos principais erros que o tiraram do governo depois de enfraquecê-lo de maneira inédita, em tão pouco tempo, para alguém que chegou muito forte à Casa Civil da Presidência da República.

Sem desconsiderar o fato detonador da crise - a evolução de seu patrimônio em 20 vezes em quatro anos -, registram-se no governo quatro erros de Palocci, determinantes da sua irrecuperável desestabilização. Um dos últimos, porém o mais impressionante: o telefonema ao vice-presidente da República, Michel Temer, ameaçando de demissão os seis ministros do PMDB se o partido não votasse favoravelmente às teses do governo no Código Florestal. O fez em nome da presidente Dilma Rousseff, que estava ao seu lado no momento do tresloucado gesto e, segundo informou-se depois, ouvindo a conversa em viva-voz.

Que a durona Dilma o tenha mandado fazer o telefonema com ameaças, mesmo que fosse para blefar, e era, ele não tinha o direito, pela inteligência, conhecimento, gosto político e instinto de sobrevivência na vida pública de cumprir a ordem. Ainda mais que era conhecedor da inexperiência da presidente.

Ainda no capítulo de cumpridor cego das ordens presidenciais, Palocci liderou a negociação de um assunto que não conhecia, o Código, e na véspera da votação, com o governo já amargando a derrota que sofreria, recebeu espetacularmente, no Palácio do Planalto, a ex-senadora e ex-candidata a presidente da República Marina Silva. Escoltada por ONGs internacionais em litígio com a maioria da base aliada ao governo no Congresso.

Palocci também foi agente de sua própria desgraça política ao recusar-se a dar explicações, por tanto tempo, mesmo as superficiais que acabou dando na TV, sobre o fato detonador da crise. Errou ainda ao divulgar uma nota, considerada desastrada, alegando, noutras palavras, que, como ministros da Fazenda de outros governos, adquiriu no cargo muita sabedoria para cobrar caro sua consulta.

Barbeiragem, imperícia, dizia-se ontem, que impossibilitaram a recuperação da desconfiança quanto ao seu enriquecimento. Visto, no governo, como um político frio, reconhecidamente sagaz, com uma capacidade de recuperação incrível - foi ao chão da política por razões éticas por duas vezes e levantou-se novo em folha - Palocci era considerado um superador de crises quando centradas nos outros. Nas suas, ficava acuado, errava sempre. Enquanto era o homem que ia carregar o governo, foi o ministro mais importante de Dilma. No momento em que a equação se inverteu, passou a ser o governo a carregá-lo, deixou de ser importante e insubstituível.

Gleisi Hoffmann está encarregada de fazer o governo andar novamente. Antes da crise política já havia lentidão provocada pela suspensão do PAC e a necessidade de fazer o superavit. Os ministérios tiveram que puxar o freio. A administração dava sinais de inoperância. Será por aí a retomada da capacidade de iniciativa da presidente Dilma Rousseff, com a nova Casa Civil.

Cargo que retoma agora características de gestão, dando nitidez a essas funções, sem confundir-se com a articulação política.

E, embora a presidente esteja disposta a superar-se e abraçar a ação política que o mandato presidencial exige, terá que reorganizar seu time de articuladores.

A avaliação é que a Casa Civil não pode se dedicar ao mesmo tempo à gestão e à articulação política com o Congresso, os governadores, os prefeitos. O Ministério das Relações Institucionais terá que superar a inoperância. O Palácio não confirmou ontem se essa expectativa ainda cabe no figurino do ministro Luiz Sérgio, mesmo que reforçado por um pequeno batalhão, que já se provou necessário.

A nova ministra-chefe da Casa Civil, senadora Gleisi Hoffmann, quando secretária de Administração do governo Zeca do PT, no Mato Grosso do Sul, ganhou lá o apelido de Margaret Thatcher do Pantanal. O título lhe foi dado depois de, com uma canetada, reduzir o número de secretarias de mais de duas dezenas para apenas 11, exterminar 6 empresas públicas, e formular um plano de racionalização da folha do funcionalismo.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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