terça-feira, 12 de julho de 2011

Big Brother do dinheiro público:: Raymundo Costa

Com o recesso parlamentar batendo à porta, ficou para agosto a apreciação da nova lei de acesso à informação. Uma pena. Discutida até agora sob a perspectiva do passado, a proposta tem a urgência do presente, como demonstram as novas ondas de denúncias envolvendo o guichê do governo (os ministérios são muitos e suprapartidários mas o caixa é único).

Pelo projeto aprovado na Câmara dos Deputados e atualmente sob a apreciação do Senado, sempre que abrir um processo licitatório o governo terá de noticiar seus termos na internet, a rede mundial de computadores.

Toda alteração contratual, qualquer mudança de orçamento ou assinatura de termo aditivo também devem ser informados, da mesma forma. A exigência não se aplica só ao Executivo, nas suas diversas esferas. Estende-se ainda aos poderes Legislativo e Judiciário.

"Trata-se de um choque de transparência que no mínimo inibe os espertos de sempre, mas também ajuda a quem está fazendo errado de boa-fé", diz Walter Pinheiro (PT-BA), relator do projeto no Senado. Sob o escrutínio de todo internauta, do governo e da oposição, seria apenas uma questão de corrigir o que não estiver nos termos de lei. "Serão milhares de pessoas olhando", afirma Pinheiro. "Um Big Brother da coisa pública."

Lei do acesso público à informação é choque de transparência

Pouca gente, na realidade, poderia se declarar surpresa com saltos orçamentários como o que ocorreu, este ano, no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Isso como se pudesse surpreender alguém um aumento de cerca de R$ 5 bilhões num orçamento que mal começou a ser executado.

A publicidade ajudaria o acompanhamento da própria Controladoria Geral da República (CGU), que não precisaria lacrar computadores como fez agora na crise que atinge o Ministério dos Transportes.

Walter Pinheiro destaca ainda o caráter preventivo da nova lei. Quando detecta irregularidades, o Tribunal de Contas da União (TCU) aplica multas. Mas o senador diz não lembrar de casos de reposição dos cofres públicos. "Na verdade, não conheço nenhuma multa que seja igual ao valor do aditivo que o dirigente fez e que o TCU considerou ilegal", observa Pinheiro.

A lei de acesso se aplica também aos atos das agências reguladoras. Pinheiro recorre a outro exemplo interessante: tanto a Anatel quanto a Aneel vez ou outra aparecem no noticiário aplicando multas a empresas de telefonia ou de energia elétrica, respectivamente. Milionárias, em alguns casos. "Mas nenhuma multa vai devolver ao consumidor o que ele deixou de falar ou de ver quando o telefone ficou mudou ou a luz se apagou".

Se a lei do acesso, nos termos já aprovados pela Câmara, estivesse em vigor, os atos secretos do Senado não teriam permanecido escondidos por tanto tempo nas gavetas de José Sarney e de outros altos burocratas da Casa.

"Transparência hoje é acompanhar antes de executar, antes de se configurar o fato", diz Walter Pinheiro. "É preciso pensar o futuro. O passado está aí para nos orientar, mas é melhor olhar pelo para-brisa, que é maior, do que pelo retrovisor".

O que Pinheiro quer chamar a atenção é para o fato de que, até agora, a nova lei de acesso à informação tem sido discutida sob a ótica do passado, quando talvez a real dificuldade para sua votação e aprovação sejam os acontecimentos bem presentes.

Aprovação do projeto na Câmara dos Deputados já foi difícil, alegadamente por causa da decisão de estabelecer um prazo para documentos classificados como ultrassecretos - que é atualmente de 30 anos, prorrogáveis indefinidamente a critério do presidente da República.

A Câmara superou as supostas "pressões militares" e determinou um prazo de 50 anos (25 anos renováveis por outros 25) para a abertura dos documentos classificados como ultrassecretos. Um avanço. A proposta deveria caminhar sem maiores problemas no Senado, mas esbarrou na má vontade explícita de dois ex-presidentes da República.

O primeiro, Fernando Collor de Mello, tratou do assunto diretamente com a presidente da República, Dilma Rousseff, e a levou a mudar três vezes de opinião em poucos dias. Collor argumenta que a Comissão de Relações Exteriores, que preside, precisaria de mais tempo para discutir o projeto. Mas nunca marcou uma audiência ou patrocinou um único debate na comissão sobre a lei de acesso à informação.

Sarney, por seu turno, levantou a hipótese de que os arquivos do Itamaraty poderiam guardar revelações que poderiam comprometer ou causar constrangimentos às relações com os vizinhos do continente.

O Itamaraty tratou de esclarecer que seus arquivos nada guardam de comprometedor à diplomacia nacional, pelo menos a ponto de justificar o sigilo eterno de documentos sobre a disputa pelo que hoje é o Estado do Acre ou sobre a guerra do Paraguai, dois eventos mais recorrentes na discussão. O Ministério da Defesa não tem escapatória: ou os militares se livraram dos documentos sobre o destino dado aos guerrilheiros do Araguaia, por exemplo, ou mentem quando afirmam que não há mais nada em seus arquivos. O ministro Nelson Jobim (Defesa) insiste: oficialmente, não há nada.

"Collor e Sarney argumentam com assuntos dos tempos do Barão do Rio Branco", diz Walter Pinheiro, "mas os fatos que a lei do acesso à informação vai inibir são muito contemporâneos".

Pinheiro pretende voltar à carga logo no início de agosto, para que o projeto seja votado diretamente no plenário. Dilma recuou e, segundo se informa no Palácio do Planalto, já concorda com a aprovação do texto votado na Câmara. O que parece cada vez mais claro é que o passado recente e a partilha presente do bolo orçamentário atrapalham muito mais a tramitação da proposta do que os conchavos de 200 anos da diplomacia.

Não existe aditivo suspeito que resista à luz do sol.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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