sexta-feira, 29 de julho de 2011

Cartas ao presidente Itamar

Arquivo de correspondências enviadas ao ex-senador mostram os anseios da população às vésperas da edição do Plano Real, em 1994

Daniel Camargos

Juiz de Fora (MG) — Ana, de Goiânia, quer notícias do concurso realizado para o Banco do Brasil. Ela foi classificada, mas espera a convocação para a posse. Iara, de Porto Alegre, quer mais segurança, pois foi assaltada e precisa andar acompanhada de dois seguranças armados. Élcio, do Rio de Janeiro, está preso e quer o perdão da pena. Elenilda, de Maceió, é mãe de nove filhos, não tem marido e quer uma aposentadoria aos 45 anos. Outra Elenilda, de Conceição do Coité (BA), precisa de um emprego público. Edvando, de Belo Horizonte, confia na estabilidade do recém-lançado Plano Real, mas deseja que o reajuste das parcelas de sua casa seja revisto, pois não suporta mais os aumentos. Todos são personagens do Brasil entre 1993 e 1994 — período em que Itamar Franco foi presidente — e são remetentes de um arquivo de cartas recebidas pelo ex-presidente que chega a 350 mil correspondências.

O Correio teve acesso com exclusividade às cartas, que estão no instituto que leva o nome de Itamar, localizado em dois andares no centro de Juiz de Fora (MG). As cartas fazem parte do acervo pessoal do ex-presidente, com medalhas, fotografias, livros, objetos pessoais e recortes de jornal que compreendem toda a carreira política do político. O material mostra os anseios da população, em especial durante a turbulência econômica do governo Fernando Collor (1990-1992) e a redenção do Plano Real.

Poucos dias antes da entrada em vigor do plano, em fevereiro de 1994, o engenheiro Egídio Furtado Campos enviou carta para o presidente listando sugestões. Ressaltou que o presidente deveria "mudar verdadeiramente a moeda". O primeiro pedido era para que o símbolo do Real fosse BR$. O segundo, para que trocasse a expressão nas notas de "Deus seja louvado" para "Nós louvamos a Deus". Egídio aproveitou para compartilhar algumas considerações a respeito do espírito do brasileiro às vésperas de mais um plano: "Gerou-se um estado de coisas em que ninguém, ou quase ninguém, acredita, de fato, numa recuperação econômica do Brasil."

Ajudinha

Todas as cartas do período em que Itamar foi presidente foram respondidas à época pelo setor de memória da Presidência. A resposta era padrão, acusando o recebimento e encaminhando o assunto para ministérios específicos. Edvando José Baeta, de Belo Horizonte, enviou carta dizendo estar "confiante na estabilidade do Plano Real". Aproveitou para pedir a redução das prestações da casa própria. Ana, de Goiânia, pediu notícias sobre o concurso do Banco do Brasil. "Passei oito meses estudando a fio, quatorze horas por dia", apelou.

Os pedidos de ajuda se multiplicavam. Da cadeia, um condenado pedia o perdão da pena. Anexou à correspondência vários certificados de boa conduta e até um em que afirma ter costurado bolas de futebol. A relação de Itamar com as cartas era de imenso respeito, de acordo com Neusa Mitherroff, que trabalhou com ele por mais de 40 anos e hoje é a principal organizadora do acervo. Ela mostra com carinho um porta retrato com a foto de Larissa, uma garota de Curitiba, que conheceu Itamar durante visita escolar a Brasília. A criança puxou conversa com o presidente e esticou o assunto ao ponto de se tornarem correspondentes desde 1993 até os últimos dias de vida de Itamar.

Memorial pronto em 2012

O acervo do ex-presidente Itamar Franco será transferido para o Memorial da República — Presidente Itamar Franco, que será construído em Juiz de Fora (MG) até o fim de 2012, ao custo de R$ 3,5 milhões. O Instituto Itamar Franco será incorporado pela Universidade Federal de Juiz Fora. O Instituto foi criado em 2005 e, além da memória do ex-presidente, guarda grande parte da história recente do município mineiro. O prédio terá mais de 815m² e estilo arquitetônico dos anos 1960. No projeto estão previstos espaço para exposições, bibliotecas, hemeroteca e salas de pesquisa. Além das milhares de cartas dos populares, há também um acervo de 5,5 mil livros, fotografias de todos os momentos da vida pública de Itamar e diversos objetos pessoais do ex-presidente.

FONTE: ESTADO DE MINAS

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