terça-feira, 19 de julho de 2011

A crise viajou mas as trapalhadas ficaram:: Raymundo Costa

Está seco e um tanto frio em Brasília, mas a crise política aparentemente viajou com deputados e senadores, em recesso parlamentar desde a semana passada. A calmaria pode ser uma boa oportunidade para o governo Dilma rever procedimentos, entre os quais sua relação com a opinião pública. É um jogo que a presidente está perdendo. Nem tudo que é racional é verdadeiro, ensinava mestre Raymundo Faoro. Mas falta racionalidade às histórias como elas são contadas pelo atual governo.

O caso mais exemplar da temporada é o da fracassada fusão dos grupos Pão de Açucar e Carrefour. Tão logo a negociação veio a público, o Palácio do Planalto oficialmente que não se pronunciaria sobre o assunto, apesar de a notícia vir acompanhada da informação de que o BNDES poderia entrar com R$ 4 bilhões na empreitada.

Os assessores de Dilma Rousseff repetiram todos a mesma história: o Palácio do Planalto não se manifestaria sobre a fusão ou sobre um suposto encontro da presidente com o empresário Abílio Diniz, do Pão de Açucar. Deixou a impressão de uma negociação oculta em que nem tudo corria bem nos bastidores.

O BNDES não negocia R$ 4 bilhões sem presidente saber

É conhecida a inclinação do atual governo pela criação de grandes empresas nacionais, de preferência que possam competir no mercado mundial. Um gigante do varejo nascido da união do Carrefour com o Pão de Açucar viria bem a calhar. O final é conhecido: o Pão de Açucar já não era uma empresa brasileira.

Quando foi questionado pela primeira vez, o Palácio do Planalto poderia ter afirmado que a fusão era um assunto em estudo pelas instâncias do BNDES. Era a pura verdade. Mas o que seria uma história redonda ficou quadrada quando, em seguida, o Planalto fez circular a informação de que Dilma não sabia das tratativas até determinada altura da negociação do BNDES. E que sempre fora contraria a ela.

É menosprezar da inteligência alheia: não há negociação de R$ 4 bilhões que transite pelo BNDES sem que o presidente da República seja informado. Não é uma exigência legal, mas equivale à lorota segundo a qual Antonio Palocci, quando era ministro da Casa Civil, passava 24 horas ao lado de Dilma sem dar palpites sobre a política econômica da governo federal - pode-se até dizer que ele não influiu no que foi decidido nos primeiros 100 dias, na política econômica. Mas nunca dizer que não trocava ideias com Dilma sobre o assunto.

Há também o componente da intriga política. Como é do conhecimento público, Dilma Rousseff e Luciano Coutinho, o presidente do BNDES, são amigos de longa data. Na realidade, Coutinho foi professor da presidente na Unicamp. E não é do estilo de nenhum dos dois mandar recados. O temperamento de Dilma, aliás, é conhecido dos brasileiros desde a época em que ela respondia pelo Ministério das Minas e Energia, primeiro, e pela Casa Civil, onde foi preparada para ser a candidata do PT.

A concessão de empréstimos do BNDES evidentemente obedece às diretrizes do governo de plantão, no caso atual, por exemplo, o PAC ou a política industrial. A decisão é das instâncias do banco e na análise de processos como a fusão do Carrefour com o Pão de Açucar se envolvem cerca de 30 pessoas. Mas é ingenuidade pensar que essa roda gira sem que o inquilino de plantão no Palácio do Planalto tenha conhecimento. Cai o presidente do BNDES.

Está mal explicada também a história do pedido de férias do diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Luiz Antonio Pagot. O pedido teria oposto a chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, ao secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho. Ele seria o mentor da decisão de Pagot de sair em férias, quando a presidente Dilma determinou o afastamento de praticamente toda a cúpula do Ministério dos Transportes.

Gleisi até agora manteve silêncio sobre o que pensa da manobra de Pagot (em férias, o burocrata não pode ser demitido). Mas Gilberto Carvalho, ex-chefe de gabinete de Lula no governo passado, não esconde mais de ninguém que considera Pagot inocente das acusações de cobrança de propina nas obras do Dnit. Ao expressar sua opinião, Carvalho se contrapõe à decisão que as versões palacianas dão como certas: que Dilma vai demitir Luiz Antônio Pagot quando ele voltar das férias.

A se considerar verdadeiras as versões de gente credenciada, Pagot está fora do governo. Ou Dilma mudou de ideia e não avisou ninguém. Nem os mais próximos.

O que não falta na Praça dos Três Poderes é padrinho solidário com Pagot. Antes de Gilberto Carvalho, o senador Blairo Maggi (PR-MT) fez a defesa incondicional do afilhado político. Agora, o novo ministro Paulo Passos declara que a presidente Dilma tomará a decisão na volta do diretor-geral do Dnit. Em resumo, o que era antes uma certeza passou a ser uma possibilidade.

Num primeiro momento, Dilma afastou a cúpula dos transportes mas manteve o ministro Alfredo Nascimento, senador pelo Estado do Amazonas que, no governo passado, ocupou a mesma pasta. Caberia a ele fazer a limpeza num ministério tomada de assalto pelo PR, mas com coadjuvantes de outros partidos aliados. Mas o ex-ministro do PR não conseguiu se sustentar por uma semana a mais no cargo, depois disso.

Independentemente da "inocência" - como assegura Carvalho - ou não de Pagot, a presidente ficou na posição de arbitro de uma encarniçada disputa entre os grupos de Alfredo Nascimento + Valdemar Costa Neto, secretário-geral do PR, aliados de ocasião, e Blairo Maggi + Luiz Antonio Pagot. Aparentemente, não há uma saída confortável. A menos que promova uma razia nas posições partidárias no Ministério dos Transportes, o que parece duvidoso desde que ela decidiu promover a ministro o secretário-executivo Paulo Passos, um filiado do PR que Dilma poupou quando afastou a cúpula do Ministério.

O PT se queixa da comunicação do governo. É improvável. A história recente demonstra: sempre que um governo reclama da batida de bumbo, o problema não é o bumbo, é o governo.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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