terça-feira, 5 de julho de 2011

No ninho dos tucanos

Dilma ao lado de Serra, Aécio e Fernando Henrique no velório de Itamar, que teve honras de chefe de Estado em Belo Horizonte. O clima cordial entre a presidente e o ex continua
No velório de Itamar, Dilma e tucanos se encontram; FH lembra Plano Real

"Choro de saudade pelo Itamar e posso ter certeza de que o Brasil todo chora"

Fábio Fabrini e Thiago Herdy

BELO HORIZONTE. O ex-presidente Itamar Franco foi cremado na tarde de ontem, com honras de chefe de Estado, após um velório que reuniu aliados e antigos desafetos, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex--governador José Serra. Durante a passagem da presidente Dilma Rousseff pela cerimônia, acompanhada por quatro ministros, os portões do Palácio da Liberdade foram fechados, e até autoridades e amigos foram vetados.

Durante o velório, Fernando Henrique deixou de lado as desavenças com Itamar, surgidas após a eleição de 1994, e lembrou que, por muitos anos, teve uma relação estreita com o ex-presidente, entremeada por muitas brincadeiras. Ministro da Fazenda do mineiro, o tucano chegou ao Planalto em 1995, com o apoio de Itamar, mas depois seguiram rumos opostos. Ontem, Fernando Henrique atribuiu a Itamar o mérito de "apoiá-lo" na implantação do Plano Real, abrindo caminho para a estabilização da moeda:

- O Plano Real foi feito por uma equipe. Eu chefiei essa equipe, mas nada disso seria feito sem o apoio irrestrito do presidente da República. Mesmo quando o Itamar, lá no fundo da alma dele, podia não estar totalmente convencido, ele confiava e deu a mim uma força que era difícil de imaginar que algum presidente podia dar. Fez isso sem nenhum sentimento menor, sem nenhuma disputa de vaidade. Choro hoje de saudade pelo Itamar e posso ter certeza de que o Brasil todo chora a morte dele - afirmou, destacando que Itamar nunca se deixou fascinar pelo poder e sempre teve um sentimento ético, "que faz falta no Brasil de hoje".

Fernando Henrique e Itamar se desentenderam quando o tucano articulou a própria reeleição com o apoio do PMDB, frustrando os planos do mineiro de voltar ao Planalto. Eleito governador de Minas, Itamar decretou moratória da dívida do estado com a União. Sua passagem pelo Palácio da Liberdade foi marcada por inúmeros enfrentamentos a Fernando Henrique, com direito a ameaça de desapropriação da fazenda do tucano em Minas.

Serra: "Itamar soube reconduzir o país"

Outro ex-adversário, Serra - cuja reconciliação política com Itamar foi costurada nas eleições do ano passado, após anos de desentendimentos - disse que a memória de Itamar merece homenagem por sua conduta na Presidência e postura ética:

- Itamar Franco foi presidente do Brasil num período difícil. Soube reconduzir o país, mantendo-o dentro da normalidade democrática, abriu caminho para o Plano Real, que estabilizou a nossa economia, e sempre foi um exemplo de integridade, de transparência. É um homem a quem o país deve muito.

A passagem-relâmpago da presidente pelo velório, no início da tarde, causou constrangimento a políticos e amigos de Itamar, impedidos de entrar durante sua permanência, cerca de 40 minutos. O presidente do PT de Minas, Reginaldo Lopes, o presidente do PSDB no estado, Marcus Pestana, e outras cerca de 20 autoridades tiveram de esperar a saída de Dilma, que chegara pela lateral do palácio, sem ser vista pelos populares. Na comitiva estavam os ministros Gleisi Hoffmann (Casa Civil), Antonio Patriota (Relações Exteriores), Ideli Salvatti (Relações Institucionais) e Helena Chagas (Comunicação), que evitaram dar entrevistas. Apenas Fernando Pimentel (Desenvolvimento) falou com a imprensa, mas se limitou a elogiar Itamar.

Cerca de 4,5 mil pessoas foram até o Palácio da Liberdade, ex-sede do governo de Minas, se despedir de Itamar. A população teve a chance de chegar perto do caixão de Itamar, exceto enquanto a presidente esteve no local.

O corpo de Itamar chegou de Juiz de Fora no fim da manhã, com duas horas de atraso por causa do mau tempo em Juiz de Fora, onde o velório na véspera reunira 30 mil pessoas. O caixão foi recebido na entrada do palácio pelo governador de Minas, Antônio Augusto Anastasia (PSDB), e o senador Aécio Neves (PSDB-MG), que se emocionou quando uma artista cantou, à capela, o hino do estado. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e o ex-governador José Serra chegaram logo depois com Fernando Henrique e ficaram até a saída de Dilma.

O corpo de Itamar foi cremado por volta das 16h no Cemitério Parque Renascer, numa cerimônia fechada, da qual participaram parentes, amigos, o governador Anastasia, o prefeito de BH, Márcio Lacerda (PSB), e poucas autoridades. As cinzas devem ser depositadas no túmulo da mãe, Itália Cautiero, em Juiz de Fora.

- Minas perde a sua grande reserva moral, uma pessoa cuja autoridade moral era indiscutível - destacou Anastasia.

FONTE: O GLOBO

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