sábado, 30 de julho de 2011

Presidencialismo e coalizão partidária

Com o fim do recesso, entra em período de testes o relacionamento entre o Palácio do Planalto e sua base de sustentação no Congresso Nacional

Carmen Munari e Cyro Andrade

A partir desta segunda-feira, quando termina o recesso parlamentar, deve entrar em período de testes a disposição da presidente Dilma Rousseff de rever a validade do chamado presidencialismo de coalizão - intenção que parece implícita no vigor com que conduziu a onda de demissões no Ministério dos Transportes, em resposta a denúncias de práticas continuadas de corrupção.Alguma indicação da intensidade com que as decisões da presidente feriram a sensibilidade do Partido Republicano (PR), até então administrador soberano dos poderes, e cargos, daquela pasta poderá vir do senador Alfredo Nascimento, o ministro defenestrado que inaugurou a lista de demissões, em esperado discurso na sua volta ao Congresso. Mas será na retomada formal do andamento das relações entre Executivo e Legislativo, enquanto se dão votações de diferentes matérias, que se conhecerão eventuais consequências do enfrentamento, no grau decidido pela presidente, sobre o ânimo da base interpartidária para continuar a participar, com o Palácio do Planalto, do sistema de condomínio político em vigor desde o governo de José Sarney.

Em tese, a grande base de sustentação atual daria respaldo à atitude da presidente. Na Câmara dos Deputados, o Planalto conta com 402 parlamentares, de um total de 513. No Senado, são 62, no cálculo realizado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Contudo, assim como permanecem envoltos na penumbra presumíveis cálculos políticos da presidente que devem ter se seguido aos atos imediatos de resposta à revelação dos malfeitos, também se desconhecem táticas e estratégias consideradas pelas diversas correntes de interesses em que se subdividem as frações partidárias da coalizão preservada até agora.

"O PR só reagirá se com isso tiver mais a ganhar, mas ele não tem a ganhar. O governo tem popularidade, tem boa imagem e credibilidade. Quem vai querer ir contra, quem vai votar contra?", indaga a cientista política Argelina Figueiredo, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

No entender de analistas, a série de demissões na pasta dos Transportes não abalaria o presidencialismo de coalizão também por se ter evitado, desse modo, uma crise institucional que poderia decorrer de uma intervenção explícita na pasta.

Estaria aí, talvez, um sinal de risco calculado por parte da presidente. E também de que não é sua intenção submeter-se às exigências do sistema de coalizão, de simples troca de favores entre Executivo e Legislativo? Sim, "a despeito de provocar insegurança no apoio dos partidos", no entender de José Álvaro Moisés, coordenador do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP.

O tratamento dispensando ao PR foi mais duro, mas outros sinais já tinham sido dados. Na troca da presidência de Furnas, em janeiro, a presidente enfrentou o PMDB. Também foram detectadas ameaças veladas ao partido quando da votação do Código Florestal.

Para Argelina Figueiredo, "a presidente está mostrando mais os limites que aceita". Renato Janine Ribeiro, professor de Filosofia da USP e colunista do Valor, crê que ela anda em busca de uma personalidade própria, que a distancie do ex-presidente Lula. Mas Janine não acha que a escolha do combate à corrupção foi predeterminada. "Caiu sobre ela. Ela não fez nenhum movimento nessa direção."

"Lula tinha um habeas corpus preventivo dado pela opinião pública. Ele anestesiou nosso lado mais republicano. Nada tinha consequência no Executivo. Ele criou na classe política um governo de ação entre amigos", critica o cientista político Rubens Figueiredo. Dilma, ao contrário, disse, agiu rápido e a profundidade dos cortes é gesto republicano que chama a atenção da população estudada. Com essa atitude, ela também dá uma sinalização aos demais órgãos do governo federal, entende Figueiredo.

Líder do governo na Câmara, o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) sai em defesa de Lula ao ver condições políticas para a "faxina" de Dilma. "Não vejo diferença entre Dilma e Lula em termos éticos. A diferença são as circunstâncias e não o compromisso ético dos presidentes."

Como as denúncias envolvendo o Ministério dos Transportes surgiram na imprensa às vésperas do recesso parlamentar, o "timing" foi favorável à presidente. Sem o pleno funcionamento do Congresso, a repercussão da crise foi menor, mas a partir desta segunda-feira o ambiente político volta à normalidade, com a retomada formal dos movimentos das engrenagens do sistema de coalizão.

A oposição, que chegou a ensaiar aprovação à atitude da presidente, pretende retomar a tentativa de instalar uma comissão parlamentar de inquérito no Senado para investigar as denúncias. Até o início do recesso, em 18 de julho, havia obtido 23 das 27 assinaturas necessárias.

"Acho muito pouco as medidas da presidente Dilma. Pode satisfazer os ingênuos. Pode aplacar a consciência de governistas. Cai bem como pretexto para omissão, para não avançar em providências mais sérias, porque o esquema é muito grave. Era esquema coletivo e não individual", argumenta o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), que procura reunir assinaturas para a CPI.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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