domingo, 17 de julho de 2011

À sombra:: Merval Pereira

A impossibilidade de o ex-presidente Lula desencarnar da Presidência da República, do ponto de vista republicano - nada a ver com o partido do mesmo nome, mas de postura contrária -, deveria ser um sintoma de desfuncionalidade institucional: um ex-presidente deveria deixar o caminho livre para seu sucessor, recolhendo-se a um papel suprapartidário de "pai da pátria".

Não é assim, no entanto, que acontece no Brasil, e até mesmo os que, como Fernando Henrique Cardoso, não disputam cargo eletivo, têm papel importante no dia a dia da política sempre ligado a seu partido de origem.

Lula prometera "desencarnar" e não conseguiu, mas é perfeitamente legítimo que atue como "grande eleitor" dentro do Partido dos Trabalhadores.

Desse ponto de vista, nada há a estranhar que ele esteja, por exemplo, patrocinando abertamente a candidatura do ministro da Educação Fernando Haddad para a Prefeitura de São Paulo.

Se o PT paulista prefere a senadora Marta Suplicy, vai ter que enfrentar Lula, coisa que historicamente nunca aconteceu. Se acontecer, e Lula, porventura, perder a parada, será um sinal político importante a registrar.

Até mesmo a interferência nos assuntos do governo federal, o que não seria recomendável, torna-se aceitável pelo fato de que a própria presidente assim a considera.

Quando Lula apareceu em cena inopinadamente para resolver uma crise no governo, reunindo-se com líderes políticos, parecia que estava se intrometendo onde não deveria.

Depois, soube-se não apenas que a presidente Dilma gostara da intervenção, como também a opinião pública que, em larga maioria, considera importante que Lula ajude Dilma a governar.

Outro dia, a presidente desapareceu por várias horas, deixando várias autoridades esperando-a na Base Aérea do Galeão, no Rio. Soube-se depois que fora ao encontro de Lula para uma troca de ideias.

Sendo assim, cabe à oposição apenas estranhar esse tipo de co-governança e repisar a acusação de que a presidente não passa de um fantoche manipulado por Lula.

Nada disso seria grave, apenas estranho, se não começassem a surgir no horizonte divergências entre criatura e criador, o que pode introduzir nessa cogestão governamental fator de desequilíbrio institucional.

As aparências indicam que a presidente Dilma está em uma luta surda contra o Partido da República (PR) para desalojá-lo de seu feudo no Ministério dos Transportes.

Uso aparentemente por que não há explicações razoáveis para que a presidente mantenha no cargo um ministro que vem, desde 2004, fazendo parte não apenas do PR, mas também da cúpula do Ministério dos Transportes, e veja na sua indicação uma mudança radical dos hábitos e costumes da pasta.

Paulo Passos, o "Paulinho" da Dilma, pode ser de sua confiança mas, forçosamente, participou ou teve conhecimento de todas as maracutaias porventura ocorridas nesses últimos anos no ministério que agora chefia em caráter permanente. Caso contrário, não deveria ser indicado para o cargo por tratar-se de um "sem noção".

Também a própria presidente Dilma, em sua encarnação como chefe do Gabinete Civil, teve que acompanhar as obras do PAC que o ministério tocava e dificilmente deixaria de notar que aconteciam coisas estranhas nos seus órgãos e nos seus orçamentos de obras.

Mesmo assim, aceitou a decisão do então presidente Lula de manter por lá o mesmo Alfredo Nascimento que comandou o esquema do PR nos últimos anos.

Agora surgem denúncias, na Revista "IstoÉ", de que o "Paulinho", quando ministro interino, autorizara aditivos em diversas obras cujas empreiteiras colaboraram generosamente com campanhas eleitorais do PR.

Ao mesmo tempo, o presidente Lula, que foi o responsável primeiro pela manutenção do PR à frente do Ministério dos Transportes, aparentemente não participa da vontade da presidente Dilma de fazer tal limpeza.

Não apenas nunca abriu a boca para criticar Alfredo Nascimento ou a estrutura do ministério, como aceitou viajar no jatinho particular do deputado Sandro Mabel, presidente regional do PR em Goiás.

Essa postura, digamos, mais condescendente com os malfeitos de seus aliados, faz com que eles se sintam mais seguros sob as asas protetoras de Lula do que debaixo do, até agora, indecifrável temperamento da presidente "de direito", que pode jogar às feras um aliado apanhado no desvio, mas é capaz de recuar diante de uma pressão mais forte da base aliada.

A situação tende a se agravar com a disposição de Lula de voltar a viajar pelo país. Cada vez mais decidido a não "desencarnar", o ex-presidente também inaugurou um blog na internet de onde espera "poder conversar" com os brasileiros para "falar bem e falar mal dos outros".

Tudo indica que está em marcha a campanha para o retorno oficial de Lula em 2014. Com o consequente enfraquecimento da imagem da presidente.

O leitor Pedro Paulo Guerra envia uma proposta singela de combate à corrupção: os partidos políticos serão considerados responsáveis solidários pelos atos de corrupção praticados por seus filiados, quando em exercício do cargo para o qual foram eleitos.

Justificativa: Já que os partidos são os verdadeiros donos do mandato, o exercício do mandato é feito por quem foi eleito, em nome do partido.

Os atos desonestos praticados são, portanto, praticados em nome do partido. Como punição, o partido deixaria de receber uma percentagem do fundo partidário.

"Acho que, em assim sendo, o partido político seria o primeiro a fiscalizar a atuação de seus membros, contribuindo para diminuição da corrupção", diz ele.

Pode ser.

FONTE: O GLOBO

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