segunda-feira, 25 de julho de 2011

Xerife dos fundos de pensão anistia dirigentes que descumpriram lei

Decisão polêmica pode beneficiar 200 gestores e aliviar R$500 mil em multas

Geralda Doca

BRASÍLIA. Xerife dos fundos de pensão, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) aprovou recentemente uma medida polêmica que perdoa condutas passadas de dirigentes que aplicaram recursos dos fundos de pensão em desacordo com a lei e vai orientar o trabalho dos fiscais em auditorias futuras. Trata-se da Súmula 02 - uma das primeiras ações do órgão sob o comando de José Maria Rabelo, indicado do PMDB.

Com efeito vinculante e caráter indicativo, a súmula manda aplicar nas investigações o princípio da retroatividade da norma mais benéfica, com base numa decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN), aprovada em setembro de 2009, que ampliou os limites de aplicação dos investimentos dos fundos. Na prática, o governo passou a permitir mais riscos em troca de rentabilidade maior para as entidades, dada a perspectiva de juros baixos no longo prazo.

Chamada nos bastidores do governo de "xerife camarada", a norma muda o tratamento dado a dirigentes de fundos de pensão citados em processos administrativos no âmbito da autarquia por aplicação inadequada (acima dos limites permitidos), que passam a ser considerados enquadrados.

Três casos já foram julgados pela nova medida

O ato causou estranheza às áreas dos ministérios da Fazenda e do Planejamento que acompanham o setor - marcado por forte interesse político, dado o poder de fogo dos fundos de pensão, donos de um patrimônio de R$565,76 bilhões.

Pesa ainda o fato de que, para emplacar a súmula, a Previc revogou um parecer do departamento jurídico da antiga Secretaria de Previdência Complementar (SPC). O documento concluiu pela não aplicação do princípio da retroatividade benéfica para investimentos, "sob pena de esvaziarmos o caráter coercitivo e intimidativo das normas relacionadas com a aplicação dos recursos" dos fundos.

A Câmara de Recursos da Secretaria de Políticas Públicas de Previdência Complementar (SPPC), que faz parte do sistema mas é independente, vê problemas na súmula da Previc. Essa é a última instância da esfera administrativa à qual os autuados podem recorrer. Para o presidente Paulo César dos Santos, a retroatividade da norma mais benéfica só se aplica a casos extremos, como reclusão:

- A Câmara olha sempre o momento em que a infração foi cometida e a legislação existente na época. Não vamos alterar esse princípio.

Os processos são sigilosos, mas, segundo fontes, a bondade pode alcançar 200 gestores de fundos. Com isso, multas, que variam entre R$18,9 mil e R$1,899 milhão, e inabilitação por até dez anos (em fundo de pensão, no mercado financeiro, no serviço público e em seguradora) poderão ser eliminadas ou atenuadas. A estimativa é que o montante de multa que deixará de ser cobrado pela Previc supera os R$500 mil, na avaliação de uma fonte.

Até agora, foram julgados três casos à luz da nova súmula. O primeiro envolve o Celos, dos funcionários da Celesc (Centrais Elétricas de Santa Catarina), no qual quatro dirigentes tiveram a multa reduzida para R$20 mil cada. Os outros foram o fundo de pensão do grupo Gerdau e o Serpros (dos funcionários do Serpro), cujos dirigentes foram absolvidos. Estão na fila, segundo a Previc, mais 15 processos.

O procurador-chefe substituto da Previc, Felipe Araújo Lima, admite que a norma não é praxe em outros órgãos, mas alega que tem fundamento legal e representa um avanço. Ele explicou que a súmula está baseada na Constituição, que diz que a lei só retroage para beneficiar o réu. O Código Penal, disse, reforça este entendimento, mas ressalva que o princípio da retroatividade da norma mais benéfica não se aplica às leis consideradas temporárias ou excepcionais:

- Não é o caso da resolução do CMN, que na nossa avaliação tem caráter perene.

Essa tese, porém, foi derrubada pela SPC. No seu parecer, os fundos de pensão são investidores institucionais capazes de mexer com o mercado, e mudanças na política econômica podem exercer grande impacto na aplicação dos recursos: "Por conta da natureza dinâmica do sistema econômico, as normas relativas aos recursos das entidades acabam por adquirir natureza de temporariedade ou de excepcionalidade".

"Estou tranquilo", diz superintendente da Previc

Apesar da controvérsia, o superintendente da Previc, José Maria Rabelo, defendeu a medida e negou que tenha sido feita para atender interesses específicos:

- Faz parte do trabalho do gestor rever posicionamentos. Estou absolutamente tranquilo.

Já o secretário da SPPC (órgão que define as diretrizes do setor), Jaime Mariz, afirmou que levará o assunto para o Conselho Nacional de Previdência Complementar, no próximo dia 15.

Entre grandes fundos, como Previ (Banco do Brasil) e Funcef (da Caixa), a súmula poderá nortear o trabalho dos auditores nos casos de desenquadramento passivo, quando o ativo se valorizou e ultrapassou o teto do patrimônio líquido para aplicação em papéis de uma só empresa. Em 2009, o CMN elevou o limite de 20% para 25%.

- É muito difícil resolver o problema do desenquadramento passivo porque você teria que vender os papéis e poderia ter até prejuízo. A própria Previc não tem como resolver essa questão, e criou uma solução de conforto - avaliou uma fonte.

Para o Serpros, a edição de súmulas para uniformizar julgamentos fortalece o sistema. O diretor de Seguridade do Celos, João Paulo de Souza, disse que os quatro conselheiros do fundo foram multados por não cumprirem prazo legal na avaliação de um imóvel, vendido em 2001. A Gerdau informou que a Previc lavrou dois autos de infração contra quatro dirigentes do fundo, com multa, suspensão e inabilitação, mas os autuados recorrem e pedem a retroatividade da norma mais benéfica.

O secretário-geral da Funcef, Geraldo Aparecido da Silva, admitiu que a entidade tem um caso de desenquadramento passivo, mas disse que o problema decorre da grande valorização dos papéis. A Previ informou em nota que os casos de desenquadramento serão solucionados dentro de um cronograma até 2014.

FONTE: O GLOBO

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