quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Brincando de legisladores:: Raquel Ulhôa


Em março, com pouco mais de um mês no Senado, Itamar Franco foi designado presidente de comissão mista responsável pela análise de medida provisória relativa ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Levou a sério a tarefa e convocou a reunião de instalação, mas não houve quórum. Além dele, apareceu apenas um dos 12 titulares, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR).

O ex-presidente protestou no plenário contra o "aviltamento" do Congresso. O esvaziamento das comissões mistas, previstas no artigo 62 da Constituição para emitir parecer sobre as MPs, era apenas um dos problemas que o ex-presidente queria expor. "Eu venho dizer da minha desesperança, pelo menos até agora, com o Poder Legislativo. Estamos brincando do que não somos: de legisladores", disse.

Assim como Itamar, os atuais senadores se insurgiram contra o que consideram submissão ao Executivo. E, mais uma vez, tentam mudar as regras de tramitação. Desde sua criação, na Constituição Federal de 1988, a MP é apontada como responsável por entraves ao processo legislativo e conflitos entre Câmara e Senado. Como o próprio Itamar dizia, cumprir as regras existentes talvez já ajudasse a melhorar o processo legislativo.

Câmara deve mudar PEC, mas deixando prazo para Senado

O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), em seu décimo mandato na Câmara, discordou de alguns pontos da emenda constitucional que resultou no artigo 62 da Constituição, em 2001. Mas defende que a regra seja obedecida. "A culpa é do Congresso Nacional. Mesmo sendo ruim o ritual de tramitação, o Congresso não o cumpre. Não instala as comissões e não examina o juízo de admissibilidade."

Para Miro, seria mais útil acabar com esse requisito de relevância e urgência, que são conceitos objetivos e abrangentes. "Não somos parlamentaristas. No parlamentarismo, se a MP cair, cai o governo. É o voto de desconfiança. Aqui no presidencialismo brasileiro, que é imperial, ela virou o instrumento da lei de um homem só", diz.

O processo, em geral, se repete. A Presidência da República edita, o Congresso aceita, as comissões mistas nunca são instaladas, o texto vai ganhando penduricalhos ao longo da discussão - embora a legislação atual já determine que cada lei deve tratar de um único objeto -, a pauta de votações da Câmara acaba trancada por causa da demora na tramitação, e o Senado vota às pressas, sem poder alterar o texto, sob pena de levar a medida a perder a validade.

As críticas a esse quadro ocuparam boa parte das sessões do Senado deste ano. Para Pedro Taques (PDT-MT), o Congresso virou "apêndice" do Palácio do Planalto. Ana Amélia (PP-RS) diz que a função de legislar foi delegada ao Executivo, que predomina na produção legislativa brasileira. O petista Walter Pinheiro (BA) afirma que o Senado virou "carimbador de medidas provisórias".

A pressão levou o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), a apresentar uma proposta de emenda constitucional (PEC) para, basicamente, dividir o tempo de tramitação entre Câmara e Senado. Como relator, Aécio Neves (PSDB-MG), enxergando oportunidade de afirmação do mandato, avançou. Chegou a propor que as MPs só tivessem força de lei após aprovação da admissibilidade por uma comissão permanente. A ideia foi barrada. Após muita negociação, chegou-se à PEC aprovada - com rara agilidade.

Como está, a PEC pode resultar em problemas para o governo. De cara, vai aumentar a necessidade de entendimento com os parlamentares. Atualmente, em muitos casos, o Planalto precisa negociar a aprovação de uma MP apenas com a Câmara, onde a tramitação se prolonga. Com a regra proposta, serão vários os balcões. A começar pelas comissões de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e do Senado, que passam a ter a tarefa de dar parecer sobre a admissibilidade (nos dez primeiros dias do prazo da respectiva Casa).

Com a nova regra, os 120 dias de tramitação são divididos entre Câmara (80 dias) e Senado (30). Os dez dias restantes ficam reservados para a Câmara analisar eventuais mudanças feitas no Senado. O texto veda a reedição, na mesma sessão legislativa, de "matéria constante" de MP rejeitada ou que tenha perdido eficácia por decurso de prazo. A intenção é evitar o que ocorre hoje: a reedição de MP é proibida, mas partes dela pegam carona em outras.

Já houve duas mudanças na tramitação das MPs. Em 2001, quando Aécio presidia a Câmara, emenda constitucional proibiu reedições e instituiu o trancamento da pauta - um dos problemas atuais. A Câmara não teve, em 2011, uma única sessão deliberativa ordinária com a pauta liberada. Michel Temer, em sua última gestão na presidência da Casa, adotou uma interpretação inovadora. Restringiu as matérias sujeitas ao trancamento da pauta, criando a possibilidade de algumas propostas serem apreciadas em sessões extraordinárias. Melhorou, mas não resolveu o problema, principalmente do Senado.

Até agora, Aécio conduziu o processo sem muita contestação. Mas o PT da Câmara pretende enfraquecer seu papel, lembrando a Lei Delegada adotada no governo de Minas Gerais em questões administrativas. A essas críticas, o tucano reage mostrando diferenças entre a MP e a Lei Delegada - previamente autorizada pela Assembleia Legislativa do Estado, trata de um tema só e tem prazo definido.

Na Câmara, a tendência é alterar a PEC. Para dividir os louros de Aécio, mas também para reduzir amarras do governo. Mas há simpatia por manter o prazo para o Senado votar, porque nem mesmo os petistas querem continuar "legislando de brincadeira". E uma rebelião na Casa pode tumultuar votações do interesse do Planalto.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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