terça-feira, 23 de agosto de 2011

Crise pode afetar negociação salarial


Dissídio dos bancários deve ser o principal impactado pela turbulência internacional; industriais podem sentir efeito mais adiante

Roberta Scrivano e Luiz Guilherme Gerbelli

SÃO PAULO - As negociações do dissídio salarial neste ano devem ser mais longas e complexas do que a do ano passado. O porcentual de categorias que terá aumento acima da inflação também pode recuar. Para os bancários, a grande questão em pauta será a crise financeira mundial. Aos industriais pesará sobretudo a conjuntura econômica nacional dos últimos doze meses.

O segundo semestre é marcado pelas principais negociações sindicais. Metalúrgicos, bancários, petroleiros e químicos são algumas das maiores categorias que sentarão à mesa para debater o dissídio salarial.

Até então, a maré estava boa para os trabalhadores. Para se ter uma ideia, nos últimos reajustes negociados, a grande maioria das categorias teve aumento salarial acima da inflação, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). No primeiro semestre de 2011, por exemplo, 84% das negociações terminaram em aumento real de salário (ou seja, inflação mais um porcentual). De janeiro a junho de 2010 esse montante foi ainda mais alto: 87% das categorias conseguiram alta dos ganhos acima da inflação.

Os bancários, por exemplo, têm acumulado sete dissídios salariais acima da inflação consecutivos, segundo o diretor de relações do trabalho da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Magnus Apostólico. Neste ano, porém, o aumento poderá ser igual à inflação, comentou. "É importante dizer que toda vez que temos um ambiente econômico turbulento, a turbulência vai para a mesa de negociação", explicou Magnus Apostólico. "Creio que teremos discussões mais longas neste ano até chegarmos a um acordo", emendou.

O setor industrial também crê que só será possível reajustar o salário dos trabalhadores ao mesmo nível da inflação. Para André Rebelo, gerente do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), no entanto, a atual crise, por enquanto, não vai reverberar na negociação do dissídio com os trabalhadores. "Essa é uma crise diferente da de 2008, quando as exportações caíram 30% e, portanto, a produção industrial foi afetada. Até agora, a atual turbulência só afetou a Bolsa de Valores no Brasil", disse.

Rebelo pondera, no entanto, que a inflação dos últimos doze meses, o aumento dos custos de produção e a valorização cambial são fatores que podem puxar para baixo o porcentual do aumento do salário dos trabalhadores. "Na verdade, a indústria tem pouca margem para subir os salários acima da inflação por causa do cenário interno", admitiu.

A reportagem do Estado também procurou a Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) para falar sobre o assunto. Os porta-vozes, no entanto, não tinham agenda para atender às solicitações. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) também foi procurada e, por meio da assessoria de imprensa, informou que "ainda está aguardando o desenrolar da crise para saber se haverá ou não impacto na negociação com os trabalhadores".

Acadêmicos e especialistas em relações de trabalho também consideram que este será um semestre mais delicado na negociação entre empresas e empregados. "É difícil prever o que pode acontecer. Se a crise se aprofundar, ela terá reflexos e algum contágio na economia brasileira, mas não nas mesmas dimensões da última", avaliou José Silvestre Prado de Oliveira, coordenador de relações sindicais do Dieese.

Apesar disso, Oliveira acredita que os reajustes reais serão mantidos, principalmente porque as grandes categorias negociam o aumento nos próximos meses e, se conseguirem o reajuste real, servirão de parâmetro para as outras classes.

Disputa. Para aquecer as discussões da negociação, os bancários fizeram uma manifestação na Avenida Paulista na sexta-feira com o slogan "Bancário não é máquina". A presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Juvandia Moreira Leite, afirmou que a categoria quer reajuste de 12,8%. "Estamos negociando com o setor que mais ganha dinheiro no País e com a maior taxa de juros do mundo." Ela disse ainda que a economia nacional deve continuar aquecida por conta do mercado interno grande e do fortalecimento da classe média. "O governo está atento à crise e tem tomado as medidas necessárias", insistiu.

O Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, que representa 40 mil trabalhadores e 926 empresas, querem aumento total de 17,45%. A negociação da classe começou na quinta-feira passada.

"Numa primeira explanação dos patronais, já percebemos que eles vão usar a crise como mote para reduzir o porcentual de aumento", comentou Vivaldo Moreira, presidente do sindicato dos Metalúrgicos. E é justamente para não correlacionarem o cenário externo com o dissídio salarial que os metalúrgicos estão debatendo sob slogan "O Brasil cresceu, quero o que é meu".

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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