sábado, 13 de agosto de 2011

Custo do trabalho e inflação :: Paulo Paiva


A expectativa do governo é de que a inflação convirja para o centro da meta em 2012. Sua estratégia gradualista atende ao desejo da presidente Dilma em controlar a inflação sem comprometer o emprego. Com os primeiros sinais de desaceleração na produção industrial e possíveis impactos da redução dos preços de commodities, a opção do governo pode parecer uma aposta viável. A queda do crescimento econômico será debitada à crise externa.

As dúvidas ou críticas ao sucesso dessa estratégia frequentemente se baseiam na frágil situação fiscal. Eu gostaria de adicionar outra: a elevação do custo de mão de obra por diferentes razões.

A primeira, o aumento do salário mínimo, já amplamente discutido na imprensa, e suas consequências. A Lei n.º 12.382/11 estabeleceu a dupla indexação do mínimo: no INPC dos últimos 12 meses antecedentes ao reajuste e na variação do PIB dois anos antes. Estima-se, com alguma precisão, que em 2012 o salário mínimo terá aumento em torno de 14% a 15%, com impactos sobre todos os benefícios da Previdência Social com valor igual ao mínimo; sobre a remuneração dos servidores públicos nos Estados e municípios - com pesadas consequências sobre os gastos públicos; e sobre as remunerações no setor privado referenciadas em salários mínimos.

A segunda, os possíveis resultados das negociações coletivas do 2.º semestre, principalmente com sindicatos de categorias profissionais que representam grandes contingentes de trabalhadores, como metalúrgicos e bancários. Essas negociações ocorrerão em ambiente "nunca antes visto neste país": a inflação anual chegando ao seu pico no 3.º trimestre deste ano; o desemprego em seu piso mais baixo, indicando situação de quase pleno emprego; e o custo do trabalho (labor unity) em nível muito elevado, se medido em dólar, em razão da valorização do real. As negociações refletirão, sem sombra de dúvidas, esse quadro de demanda aquecida e inflação em ascensão e não levarão em consideração o cenário de redução do crescimento e instabilidade para o futuro próximo. Não é difícil supor a possibilidade de que venham a ocorrer acordos com variação salarial entre 7% e 10%.

A terceira, e menos conhecida, são os impactos dos passivos trabalhistas decorrentes de decisões da Justiça do Trabalho e da agenda "corporativa" que está tramitando no Congresso Nacional. Em maio deste ano, o Tribunal Superior do Trabalho alterou algumas súmulas que elevam os passivos trabalhistas das empresas. Cito aqui três súmulas, como exemplo: a 429, que considera à disposição do empregador o tempo de deslocamento do trabalhador entre a portaria e o local de trabalho, desde que supere 10 minutos diários; a 85, que trata da compensação de horas de trabalho, da qual foi excluída a compensação do chamado "banco de horas"; e a 219, que estabelece que sejam devidos os honorários advocatícios nas causas em que o ente sindical figure como substituto processual e nas lides que não derivem de relação de emprego. Ademais, está em discussão a regulamentação do dispositivo constitucional sobre aviso prévio proporcional, que poderá resultar na onerosa combinação da regra de pagamento proporcional por anos de trabalho, existente até os anos 60, com o FGTS, criado exatamente para substituí-la. Por fim, na pauta do Congresso estão a PEC 231, que propõe a redução da jornada de trabalho, e a Mensagem 59 do Executivo, que propõe a ratificação da Convenção 158 da OIT proibindo a dispensa do trabalhador.

Assim, num cenário de câmbio valorizado, os custos unitários de trabalho deverão crescer nos próximos meses em real acima da inflação e, em consequência, mais ainda em dólar, comprometendo tanto o ajuste dos preços quanto a competitividade da economia do País.

Além das contas públicas, o mercado de trabalho deverá contribuir negativamente para a convergência da inflação à meta estabelecida, que já foi postergada deste ano para o próximo.

Urge atentar para as tendências do mercado de trabalho no Brasil, antes que seja muito tarde.

Professor da Fundação Dom Cabral, foi ministro do Trabalho e do Planejamento e Orçamento no governo FHC

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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