sábado, 6 de agosto de 2011

De Ferro e de Flor: Nova edição das "Memórias" de Gregório Bezerra traz à tona vida assombrosa de líder comunista


Gregório Bezerra em quartel de Casa Forte, Recife, dias após ser torturado, em abril de 1964 


Fabio Victor

SÃO PAULO  -  Gregório Bezerra (1900-1983) nasceu miserável no agreste pernambucano.


Foi empregado doméstico, jornaleiro, peão de obra, sargento do Exército. Alfabetizou-se aos 25 anos.

Tornou-se militante comunista. Passou ao todo 22 anos preso, em quatro ocasiões de quatro diferentes décadas.

Na cadeia, fez amizade com o cangaceiro Antonio Silvino. Elegeu-se deputado federal constituinte pelo PCB em 1946. Organizou sindicatos de trabalhadores rurais. Morou com Luís Carlos Prestes. Foi torturado em 35 e em 64, desta feita em praça pública, aos 64 anos. Consta que nunca delatou um colega.

Um dos presos trocados pelo embaixador americano Charles Elbrick em 1969, viveu dez anos exilado na União Soviética, voltando ao país com a Anistia de 1979.

Ferreira Gullar fez para ele um poema, Oscar Niemeyer projetou um memorial em sua homenagem (que ainda não saiu do papel) e por estes dias até inspirou um personagem da novela "Amor e Revolução", no ar no SBT.

Antes de virar lenda, Gregório Bezerra registrou essa vida assombrosa em suas "Memórias", editadas originalmente em 1979 em dois volumes e que agora ganham reedição pela Boitempo.
O lançamento, que agrega os dois volumes num único, reúne fotografias, cronologia, índice onomástico, artigos, depoimentos e poema em cordel de Gullar, "História de um Valente" (leia a história e um trecho ao lado).

O prefácio é de Anita Leocadia Prestes, filha de Prestes com Olga Benario, que conheceu Gregório ainda menina, quando ele morou na casa da família no Rio, e mais tarde no exílio soviético.

SEM JIPE

Escrito em tom confessional, quase como um diário, o livro mais vale como documento histórico que como literatura. Vai da infância pobre até 69, quando é exilado. Começou a ser escrito na cadeia e foi concluído em Moscou, onde viveu por dez anos.

À parte as convicções profundas, revela uma admiração pelo regime soviético característica de um militante que era acolhido por ele. A obra ajuda a esclarecer o episódio da tortura em 2 de abril de 64, na alvorada da ditadura, quando Gregório foi espancado e humilhado por militares pelas ruas do bairro de Casa Forte, no Recife.

Livros e textos sobre o período dizem que o comunista foi arrastado por um jipe. Gregório não cita o veículo. 

Conta que, após ter os pés mergulhados em solução de bateria e ser obrigado a caminhar sobre britas, teve três cordas amarradas ao pescoço e foi puxado como bicho enquanto um coronel incitava a população a linchá-lo.

"É exagero popular", diz sobre o jipe o cineasta Cláudio Barroso, que prepara um longa sobre Gregório. A versão também é contestada por Roberto Arrais, que foi secretário do esquerdista e escreve a orelha da nova edição.

MEMÓRIAS

AUTOR Gregório BezerraEDITORA BoitempoQUANTO R$ 74 (648 págs.)LANÇAMENTOS com debates, 1o/9 no Recife, às 18h, na Fundação Joaquim Nabuco; 13/9 no Rio, às 10h, no IFCS da UFRJ; 14/9 em São Paulo, às 18h30

POEMA
Mas existe nesta terra
muito homem de valor
que é bravo sem matar 
gente
mas não teme matador,
que gosta de sua gente
e que luta a seu favor,
como Gregório Bezerra,
feito de ferro e de flor.


Trecho do poema em cordel "História de um Valente", de Ferreira Gullar

Longa sobre comunista é interrompido

Com orçamento de R$ 3,9 milhões, filme de Cláudio Barroso foi suspenso em 2009; Ancine abrirá inspeçãoNos bastidores, críticos falam em má gestão; diretor diz que há ranço da iniciativa privada com tema comunista A vida do militante comunista Gregório Bezerra começou a ser filmada para virar um longa-metragem.

"História de um Valente", do cineasta Cláudio Barroso, teve as primeiras locações em 2009, em Pernambuco, mas foi interrompido no mesmo ano e continua parado.
Duas mortes e muita especulação rondam o projeto.

O filme captou recursos pela Lei do Audiovisual e via Funcultura, programa estatal pernambucano de renúncia fiscal. Foi contemplado em edital da Petrobras e tem verba do BNDES, da companhia energética regional e da Prefeitura do Recife.

Segundo a Ancine, foi aprovado um orçamento de R$ 3,9 milhões, dos quais R$ 1,25 milhão foi liberado.

Nos bastidores do cinema recifense, diz-se que a má gestão dos recursos seria o maior motivo da interrupção.

Barroso a atribui a um "ranço" com comunistas que ainda existiria na iniciativa privada ("Nos governos o projeto foi muito bem, mas não se consegue fazer cinema só com dinheiro do Estado") e a duas fatalidades, as mortes do produtor do longa e de um motorista da equipe.
Vindo do Rio -a contratação de profissionais de fora foi outro alvo dos críticos do projeto-, o motorista Alfredo Pereira Lamego Júnior, o Rato, morreu num acidente de carro durante as filmagens. A equipe ficou abalada.

Em 2010, já com o projeto parado, o produtor Germano Coelho Filho (filho do ex-prefeito de Olinda Germano Coelho) morreu, segundo o diretor, de uma doença até hoje desconhecida.
O projeto estava em nome da produtora de Coelho Filho.

"História de um Valente" seria o primeiro longa de Barroso, paulista radicado no Recife que já dirigiu curtas como "O Mundo É uma Cabeça", com Chico Science (em parceira com Bidu Queiroz).

O elenco do longa tem Francisco Carvalho (que representa Gregório), Tuca Andrada, Hermila Guedes e Magdale Alves, entre outros. A Ancine informa que, como se esgotou o prazo para conclusão do projeto (24 meses após a primeira liberação) e não foi solicitada a prorrogação, o processo foi enviado para a coordenação de prestação de contas, onde será aberta inspeção.
Barroso diz que vai prestar contas e resolver burocracias antes de retomar o filme, mas afirma que vai concluí-lo.

Segundo a Folha apurou, o governo de Pernambuco tem disposição a auxiliar na retomada do projeto. Gregório foi próximo de Miguel Arraes (1916-2005), avô do governador Eduardo Campos (PSB)

FONTE: FOLHA DE S. PAULO / ILUSTRADA

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