sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Eike Batista para líder do governo:: Maria Cristina Fernandes

"Quis sinalizar para o mercado que o mundo real está pegando fogo". O empresário Eike Batista explicava à repórter Marina Falcão, do Valor, as razões por que, face a perdas bilionárias dos papéis de suas empresas na bolsa, resolvera dar um aumento salarial de 8,5% a seus funcionários.

O empresário enxerga uma janela de oportunidades para o Brasil em mais essa leva de inquietações nas finanças mundiais. Acha ridículo o risco da dívida de um país que imprime a moeda mundial - "Não vai faltar tinta nem papel" - e diz que vai sobrar no mundo a mão-de-obra qualificada de que falta ao Brasil.

Eventuais percalços parecem embutidos no preço. O empresário já foi vítima da mesma Polícia Federal que agora acossa pemedebistas e petistas.

As empresas de Eike, cujos papeis caíram na bolsa, ainda são o que o mercado chama de pré-operacionais - ativos que, por estarem em fase de maturação, não geram os dividendos que se buscam em momentos de crise.

O mundo real está pegando fogo e ninguém viu

Aos sete meses de vida, o governo Dilma Rousseff também está em maturação. A turbulência envolvendo o quarto ministério do governo só deixa entrever a gritaria de quem quer realizar de imediato. E esconde a janela de oportunidades aberta a quem estiver aliado ao seu projeto de poder.

O apelo oficial não poderia ser outro senão o de cautela para que o Congresso barre projetos de impacto fiscal como a PEC 300, que aumenta salários de policiais. Dilma não pode descumprir a lei que manda aumentar o salário mínimo em mais de 13% em 2012 sob o risco de ver as centrais sindicais, já em litígio com o governo, declararem guerra de uma vez por todas. Daí a sua determinação em segurar um funcionalismo que teve ganhos expressivos no governo anterior.

O outro lado do discurso oficial, encoberto pelo medo das algemas, é que as autoridades econômicas se declaram convencidas da possibilidade aberta ao Brasil pela crise para a inversão na curva dos juros, em elevação desde a posse de Dilma.

Some-se a isso a determinação de maior controle sobre o mercado, traduzido pela medida provisória que lança mão do IOF contra o capital especulativo e amplia a regulação dos derivativos, a política industrial e o incentivo fiscal para micro e pequenas empresas de onde se avalia que venha parte expressiva dos emergentes da classe média.

Este governo, que tem ainda um Orçamento bilionário para obras da Copa do Mundo e da Olimpíada - com centenas de milhares de fornecedores para todos os tipos, gostos e candidatos - será posto em xeque por um punhado de apaniguados? A ameaça de CPI só prospera se os aliados se convencerem da improvável possibilidade de um governo nas cordas lhe oferecer vantagens comparativas maiores.

Os brasileiros da nova classe média, nomeclatura oficial que ignora as favelas de esgoto a céu aberto cheias de famílias com renda mensal de mais de R$ 1 mil, diriam que o momento está a tirar dos aliados políticos deste governo aneis - de bijuteria - e a deixar os dedos, além de intactos, capazes de agarrar as muitas oportunidades à sua frente.

Está claro que se a investida contra a corrupção seguir desembestada justiçando a ferro e fogo a imoralidade pública, mandato eletivo algum - a começar da Presidência da República - estará a salvo.

Na semana passada, a Controladoria Geral da União divulgou um recorde à la Caged. De janeiro a julho foram expulsos 328 servidores públicos federais por envolvimento em irregularidades. É um número recorde se comparado com o mesmo período de qualquer outro ano a partir de 2003.

Os motivos das expulsões, pela ordem de ocorrência, foram valimento do cargo para obtenção de vantagens, improbidade administrativa e recebimento de propina. No mesmo período, a Polícia Federal prendeu 392 corruptores, entre empresários, intermediários e laranjas, por desvio de verba pública, aliciamento de servidores e favorecimento em licitação.

A menor leniência de Dilma com a corrupção é uma estratégia medida e pesada. Tanto serve à depuração de uma aliança política que chega a extraordinários 400 deputados quanto à formatação de uma base de apoio numa sociedade em que, ao contrário dos Estados Unidos em crise, as novas gerações têm mais anos de escolaridade que seus pais e avós.

É fato que, se até o encantador de multidões Luiz Inácio Lula da Silva chegou a temer pelo seu mandato no auge do mensalão, Dilma não há de desprezar o risco de atear fogo às próprias vestes se a estratégia de afirmação da identidade de seu governo não for bem conduzida.

Os juros podem baixar e o país virar um canteiro de obras, mas o que sua base aliada tem de mais imediato pela frente são as eleições municipais. A disputa é o mundo real da política de meio de mandato. É por meio dela que deputados e senadores renovam as perspectivas de sua carreira. A votação de projetos de interesse do governo não deveria ser excludente em relação à missão de acompanhar a movimentação partidária de alianças e acordos com vistas à disputa de 2012. Não será a liberação das emendas parlamentares, essenciais aos projetos políticos em disputa no próximo ano, que vai comprometer o esforço fiscal do governo.

PMDB e PT estão metidos numa disputa encarniçada pela montagem desses palanques municipais. Lula mandou recentemente o recado de que os aliados terão que se entender se quiserem tê-lo no palanque. Mas é a nova ocupante do Planalto a quem, além de tomar gosto pela coisa, cabe incumbir suas lideranças de desmontar os conflitos mais potencialmente destrutivos desta disputa.

O mensalão nasceu na montagem da primeira campanha municipal da era Lula. Dilma tem todas as condições para evitar que crises semelhantes se avolumem. Mas tanto as lideranças da base de governo, que desprezam as oportunidades abertas pela conjuntura do Brasil na crise, quanto os gabinetes do Palácio do Planalto, que ignora as vicissitudes do calendário eleitoral, precisam dar ouvidos a Eike Batista quando ele diz que o mundo real está pegando fogo.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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