quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Federalismo no Brasil: problema ou solução?:: Marta Arretche

É controversa a adoção do federalismo como forma de Estado no Brasil. Para seus críticos, a sociedade brasileira não apresenta as clivagens étnicas ou religiosas que justificam os custos de transação das democracias consociativas. Além disto, a desproporção na composição das bancadas estaduais fere o princípio democrático de que "1 eleitor = 1 voto". No Senado, cada Estado tem 3 cadeiras, seja qual for sua população. Na Câmara dos Deputados, Estados mais populosos são subrepresentados (pelo teto de 70 cadeiras) ao passo que Estados menos populosos contam com um bônus de representação (pelo piso de 8 deputados). Logo, o voto dos eleitores dos Estados menores valeria mais do que o dos eleitores dos Estados maiores.

A escolha democrática crucial, entretanto, é entre igualdade eleitoral e equilíbrio da representação. Evitar simultaneamente a tirania da maioria e o veto da minoria tem sido, desde o século XVIII, um dos grandes desafios da teoria democrática. Fórmulas de conversão de votos em cadeiras são apenas esforços para tradução de princípios democráticos. Não são neutras. Afetam as estratégias dos atores políticos bem como o resultado final das decisões.

A questão está no cerne da decisão, já em curso, sobre as regras para partilha dos recursos do Fundo de Participação dos Estados e dos royalties do petróleo. São matérias de excepcional relevância federativa. Afetarão decisivamente as receitas futuras de Estados e municípios e, por consequência, sua capacidade de provisão de serviços básicos. Justificam, sim, choro em cadeia nacional, ainda que a estratégia seja de pouca eficácia e, por isto, foi substituída por estratégia mais promissora de negociação. Só há negociação, contudo, porque adotamos a fórmula federativa e a desproporção da representação.

Temas federativos são negociados partidariamente

A praxe de classificar o Brasil como caso extremo de qualquer patologia institucional existente no mundo é pouco útil também neste caso. Com base no Censo de 2010, apenas São Paulo é de fato penalizado, pois deveria ter 113 deputados federais. Os antigos territórios, além do Pará e Tocantins, são os únicos de fato bonificados. Acre, Amapá e Roraima deveriam ter no máximo 2 deputados, ao passo que Pará e Tocantins têm 4 deputados a mais. Para os demais, a diferença é de 1 ou 2 deputados.

Admitamos, contudo, que a desproporção fosse de fato extrema. Ainda assim seria legítimo limitar a igualdade eleitoral em favor do equilíbrio da representação. Em Estados nacionais em que as decisões relevantes são tomadas no âmbito da União, os riscos da tirania da maioria e do veto da minoria são ainda maiores. No nosso caso, isto diz respeito a quase todas as áreas de políticas públicas, do salário dos bombeiros e professores à contratação e pagamento de dívidas. Este equilíbrio é ainda mais decisivo quando a legislação é centralizada e a execução é descentralizada. No nosso caso, cabe a Estados e municípios implementar o que o Congresso ou o STF decidir. O jogo começa e termina em Brasília. Quem perder nestas arenas, perdeu o jogo.

A Alemanha adotou o princípio da desproporção da representação em 1949, após a Prússia e a Bavária deterem sozinhas 54% das cadeiras da Câmara Baixa na República de Weimar contra os demais 16 länders. Nos EUA, a incorporação de novos estados às 13 colônias originais cuidou de manter o equilíbrio da representação de estados escravistas e não escravistas no Senado. Quando este equilíbrio foi rompido, eclodiu a Guerra da Secessão. No nosso caso, a igualdade eleitoral na República Velha provocou a Revolução de 30. Mobilizou as oligarquias periféricas o fato de que eram tiranizadas pelo voto dos eleitores paulistas e mineiros nas decisões nacionais.

Por curioso que possa parecer, o Senado não tinha poderes legislativos na República Velha, que foi o período de nossa história em que os estados mais tiveram poder. A Bélgica também fez o mesmo quando se converteu ao federalismo. Atualmente, nosso Senado tem poderes legislativos equivalentes aos da Câmara. Fôssemos, como na Inglaterra, um Estado unitário, a Câmara dos deputados seria a única arena a deliberar sobre a repartição dos recursos do FPE e do petróleo.

Se a representação na Câmara dos Deputados fosse feita pela regra de que 1 eleitor = 1 voto, os 7 Estados das regiões Sul e Sudeste teriam juntos 57% das cadeiras contra as demais 20 unidades constituintes. Se as bancadas destes Estados votassem unidas, não teriam razões para negociar com as bancadas dos Estados da Região Norte, Nordeste e Centro-oeste. Sua disposição para negociar deriva do fato de que, atualmente, os Estados das regiões Sul e Sudeste detém 256 das cadeiras contra 257 dos demais. Simetricamente, os Estados menores e (também) mais pobres não têm cadeiras suficientes para "expropriar" os Estados maiores e (também) os mais ricos. Os Estados "bonificados", por sua vez, não têm cadeiras suficientes para vetar a vontade majoritária.

A distribuição das cadeiras também explica a mudança de estratégia dos estados produtores na questão dos royalties do petróleo. Sua versão regional da campanha nacionalista dos anos 50 não deixa dúvidas de que ficariam com a parte do leão se tivessem cadeiras para tanto. É o fato de que são minoria parlamentar que explica sua disposição para negociar com os estados não-produtores.

Este equilíbrio poderia resultar em paralisia, caso o Congresso fosse um agregado de bancadas estaduais coesas. Não é. As Casas são partidárias. Matérias federativas são negociadas no interior dos partidos. Mas isto já é um outro elemento de nossa equação institucional.

Marta Arretche é professora livre-docente de Ciência Política na USP, diretora do Centro de Estudos da Metrópole

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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