quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Haja tempo:: Míriam Leitão


Passado o pânico da semana passada, esta semana é de pessimismo com os dados reais das economias europeias. Os mercados queriam que os dois líderes europeus anunciassem uma fórmula milagrosa, mas ela não existe. Um banco se resgata com dinheiro; uma crise de confiança se estanca com medidas espetaculares. Crise fiscal e recessão levam tempo para resolver.

Desequilíbrios fiscais na dimensão da que ocorre em algumas economias, algumas grandes, produzem crises crônicas. Assim ficará o mundo por longo tempo. Quando aparecer um dado positivo, uma forte declaração ou fato, haverá euforia; quando aparecer uma notícia ruim, pode voltar a fase de maior volatilidade.

Antes de cada reunião de líderes ficará a expectativa de que eles tragam alguma poção milagrosa. Neste começo de semana, houve desânimo com números do não crescimento europeu, para depois haver decepção com a reunião da chanceler Angela Merkel e do presidente Nicolas Sarkozy. O mercado torcia por medidas dramáticas, como um anúncio de que o Fundo Europeu de Estabilização Financeira passaria a ter 1 trilhão, em vez de 400 bilhões, e que os dois líderes fariam uma mágica, tirando da cartola um bônus europeu que pudesse substituir títulos de países encrencados que estão queimando na carteira dos bancos e fundos. Nada disso é fácil fazer, e por isso a Alemanha propôs a criação de mais um órgão supranacional e a França reapresentou a velha ideia de um imposto sobre transações financeiras internacionais, uma espécie de CPMF global. Anunciaram alguma coisa para não dizer que nada têm a dizer.

Para o Brasil, o cenário externo piora as expectativas um pouco, na opinião do economista Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio:

- Tínhamos um cenário de recuperação mundial lenta, com o Brasil mais seguro. Agora, já sabemos que seremos afetados. Mas, em termos relativos, estaremos sempre melhores. Se eles caírem muito, cairemos menos. Se conseguirem crescer pouco, cresceremos mais. Para o BC, ficou mais fácil lidar com a inflação porque a desaceleração está se confirmando. Mas o efeito sobre os preços ainda é muito incerto.

Por outro lado, a queda do crescimento mundial e a redução de preços de produtos que o país exporta podem complicar os dados do balanço externo. O economista José Augusto de Castro, da AEB, tem alguns números que impressionam:

- Em julho, com exceção de minério de ferro, açúcar e petróleo, as commodities tiveram queda em volume exportado. Em quantidade, porque o valor continua alto. O café caiu 18% no volume em julho; a soja, 18%; farelo de soja, 30%; óleo de soja, 12%. Suco de laranja caiu 32%; carne suína, 35%; carne bovina, 19%; carne de frango, 11%; couro, 17%; fumo, 7%. O minério de ferro subiu 7% e o açúcar está concentrado neste mês por causa das safras. A piora no cenário internacional da semana passada só começará a ter efeito sobre as exportações em dois a três meses. A soja já está vendida. O minério de ferro tem preço estabelecido por contrato. A dúvida é no ano que vem. Podemos ter queda na receita de exportação, com queda de preço e volume.

Os economistas estão recalculando o que acontecerá com a economia brasileira. Sérgio Vale, da MB Associados, disse que o cenário mais provável é de impacto forte, mas não de ruptura. Isso manteria o Brasil crescendo, mas num ritmo mais lento.

- Um período recessivo externo afetaria basicamente exportação e indústria. E o impacto maior neste último decorreria justamente das menores exportações para os países industrializados. Nesse cenário, o PIB poderia desacelerar para números não muito diferentes do que temos hoje. Seria um crescimento de 3,9%, ao invés dos 4,2% projetados atualmente. Num cenário de agravamento da crise externa, o crescimento brasileiro pode cair para 2,5% este ano.

José Júlio Senna, da MCM Consultores, lembra que o Brasil será afetado, apesar de a China continuar crescendo.

- Com os EUA e a Europa em recessão, o mundo todo crescerá menos, e isso vale para o Brasil. Cerca de 30% das exportações da China têm como destino os Estados Unidos e a Europa. Então se eles crescerem menos, a China será afetada e, consequentemente, o Brasil. A bolsa brasileira tem muita empresa de commodities. Se a China comprar menos do Brasil, a bolsa sentirá muito, e isso afetará as expectativas porque a bolsa é um canal muito importante para a confiança. A queda do Ibovespa também mexe com a visão que os estrangeiros têm do país. Diante dessa mudança, os investimentos são os que sofrem mais.

Então o que está diante de nós neste ano em que o cenário já mudou bastante é um longo período em que tudo ficará mais difícil. O Brasil pode ser afetado por vários canais. O que o governo não deve fazer é aumentar os gastos, distribuir subsídios, ampliar a oferta de empréstimos subsidiados pelos bancos oficiais para evitar que a crise nos afete. Isso foi usado em 2009. Reduziu a recessão, mas deixou a herança de desequilíbrios, na inflação e nos gastos públicos, principalmente porque em 2010 o Brasil não se preparou para essa segunda onda que agora está se formando.

O mundo precisará de tempo para digerir os enormes déficits e dívidas que acumulou. Não há estímulo fiscal brasileiro que mude esse cenário.

FONTE: O GLOBO

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