quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Um princípio do campo pecebista – Raimundo Santos

O caminho do PCB rumo à política se dá como uma refundação não só em razão de o partido ter se aliado por força dos acontecimentos a outras correntes do universo político-partidário existente no pós-24 de Agosto de 1954, mas porque, desse tempo em diante, ele vai passar a dispor de uma narrativa sobre a “revolução brasileira” elaboradas por alguns publicistas seus bem característica e demarcante em relação às  esquerdas militantes nao-comunsitas. Por essa ocasião, notam-se a  convergência de conexões (entre teoria e prática) de natureza renovadora: 1) a militância na frente única permanente levaria o PCB a dar valor à política como tal; e 2) esta acepção da política que se  passa a ter no interior do PCB só era compreensível como atributo da democracia e praticável por um outro tipo de partido que já não se portasse ao modo revolucionário segundo o modelo das revoluções dos Oitocentos; e 3) as transformações reformistas do capitalismo em sentido democrático (com as quais o campo de centro-esquerda da época, como o PCB, o Iseb e PTB, tendiam a identificar a própria ideia de “revolução brasileira”), só teriam êxito se os “acontecimentos seguissem o curso normal” (expressão de Engels falando sobre o “método democrático” ao socialismo na Alemanha do final do século XIX); ou seja, sob a vigência de uma Constituição legítima e democrática.

Não obstante as ressalvas do PCB à Constituição de 1946, a sua defesa à sequencia do 24 de Agosto, ao convergir com o tema da frente única,  fortalece a propensão dos comunistas à política. Naquele tempo, os pecebistas se somam a outras vertentes que resistiam à interrupção da descompressão política que abrira passagem à sequencia do suicídio de Getulio. Neste caso da Constituição de 1946, os comunistas se envolveram com a defesa da ordem constitucional e da democracia representativa também levados pelos fatos. Com o passar do tempo, esse constitucionalismo deu dar lugar a uma frente de atuação dos comunistas e se converte em outro traço do PCB contemporâneo. A militância em frente única (emergente do clima antigolpista do imediato pós-24 de Agosto) novamente volta a se colocar de forma tensa durante os anos do governo Goulart e após o golpe militar de 1964 torna-se cada vez mais tática permanente operada pela política, passando a ter nos documentos do PCB valor estratégico e não apenas instrumental. Observemos que a postura constitucionalista, após o 24 de Agosto (no caso, a Constituição de 1946), vai coexistir com uma outra formulação de época muito apreciada pela bibliografia como traço do pecebismo: a via pacifica; possibilidade de acesso ao socialismo previsto no XX Congresso do PCUS de 1956 e consolidado na reunião do PCs de 1960 em Moscou.


No final dos anos 1980 se conhece nova postura constitucionalista no campo pecebista e em outros ambientes democráticos. Agora, a Carta de 1988 é valorizada também como quadro de referência “programático”,  no sentido de que a Constituição concretiza a revolução democática brasileira, como se vem dizendo há bastante tempo. O sentido da resistência e derrota do regime de 1964 pela política veio perpassar o seu significado democrático-reformista à Constituição de Ulisses Guimarães; reformismo pensado pelas correntes de centro-esquerda (até então, o campo nucleado pelo MDB-PMDB e a esquerda histórica eram as mais expressivas) por meio de encaminhamentos a partir da esfera política sob vigência da democracia representativa.

Raimundo Santos é professor da UFRRJ

Fonte: Cf.fragmento do texto “O PCB às vésperas da Declaração de Março de 1958”

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