segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Chantagem explícita

O operador do mensalão quer Lula trabalhando por sua absolvição. Caso contrário, ameaça mostrar provas de que o ex-presidente sabia de tudo

Rodrigo Rangel

Desde que a investigação do mensalão foi encerrada, em 2008, uma pergunta continua sem resposta: afinal, o presidente Lula realmente não sabia que dentro de seu governo funcionava o que a Procuradoria da República classificou como uma “sofisticada organização criminosa”? Desconhecia que o chefe da tal organização era o ministro mais poderoso de seu governo? Desconhecia que amigos e fiéis companheiros do seu partido, o PT, formavam fila na porta de uma agência bancária de Brasília para pegar pacotes de dinheiro às escondidas? Lula jura que nunca soube de nada disso. Porém, mesmo depois de concluir seu mandato sem ser importunado pela Justiça, o ex-presidente continua a ser assombrado pelo mensalão. De tempos em tempos, especialmente quando se dá conta de que a cadeia se apresenta num horizonte próximo, o empresário Marcos Valério, apontado como o operador do mensalão, ameaça o ex-presidente – e o faz ora de forma velada, às vezes de maneira indireta e até mandando recados explícitos.

A estratégia causa arrepios em seus velhos comparsas do PT e, em particular, no próprio Lula. E por uma razão elementar: Valério já confidenciou a pessoas próximas que guarda documentos que mostrariam o envolvimento direto dele com o ex-presidente. O lance mais recente desse estratagema se deu na semana passada, quando terminou o prazo para que os 36 réus do processo do mensalão apresentassem sua defesa ao Supremo Tribunal Federal, que deve julgar o caso no primeiro semestre do ano que vem. Com jeito, em cinco linhas perdidas entre as 148 páginas entregues por sua defesa, Marcos Valério associa Lula ao papel de “mandante” do mensalão. Diz a peça: “É raríssimo o caso de versão acusatória de crime em que o operador do intermediário aparece como a pessoa mais importante da narrativa, ficando mandantes e beneficiários em segundo plano, alguns, inclusive, de fora da imputação, embora mencionados na narrativa, como o próprio ex-presidente Lula”.

Valério desconversa: “Eu nem li o que meu advogado escreveu”. A referência direta a Lula, agora no papel, é mais um lance do jogo que ele disputa com o PT desde a eclosão do escândalo. No início da investigação, o empresário pediu 200 milhões de reais ao partido em troca de silêncio. Não levou. Em um movimento ousado, em 2009, Valério enviou um intermediário ao Ministério Público Federal, em Belo Horizonte, para informar que estava interessado em um acordo de delação premiada, insinuando que envolveria Lula. O empresário recuou depois de conversar com o advogado petista Luiz Eduardo Greenhalgh. Na fase de instrução do processo, ocorreu mais um lance ameaçador: no interrogatório de Delúbio Soares, o ex-tesoureiro do PT, o advogado de Marcos Valério, sem que ninguém compreendesse aonde ele queria chegar, perguntou a Delúbio se ele havia visitado Lula entre 2003 e 2005 e, se afirmativo, na companhia de quem. Delúbio não respondeu, mas o empresário já contou a pessoas de sua confiança que, naquele período, quando o mensalão funcionava a todo o vapor, ele se reuniu mais de uma vez com Lula na Granja do Torto, o que o ex-presidente nega. Valério quer que Lula atue sobre os ministros do Supremo para influenciar o resultado do julgamento. O empresário vê em curso uma “costura política” para livrar da cadeia cabeças coroadas do PT, como o ex-ministro José Dirceu – e exige o mesmo empenho para salvá-lo. Caso contrário (pode ser puro blefe), ameaça divulgar provas que incriminam Lula. Resta saber se Lula e o PT pagarão para ver.

FONTE: REVISTA VEJA

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