quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Dilma e tucanos: do flerte à cartelização:: Cristian Klein

A aproximação do PSDB - ou pelo menos de uma importante ala dos tucanos - com a presidente Dilma Rousseff é, atualmente, um dos movimentos mais intrigantes do cenário político brasileiro.

É de se estranhar, para quem já está acostumado à polarização entre PT e PSDB, os afagos e demonstrações de admiração e respeito mútuo protagonizados nos últimos tempos por Dilma e os principais caciques tucanos.

A seguida troca de gentilezas entre Dilma e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso parecia algo relativamente circunscrito ao campo pessoal ou, digamos, a uma "atitude republicana".

Primeiro, veio o convite para o jantar com o presidente americano Barack Obama. Depois, as palavras afetuosas em carta que felicitava Fernando Henrique por seus 80 anos.

Oposição é oferecida. Mas também está sendo envolvida

O carinho público, segundo interlocutores, chegou a provocar ciúme no padrinho político e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teria pedido para Dilma "não exagerar". Lula, em oito anos de governo, construiu sua imagem em oposição à do antecessor. Como se FHC fosse um vilão.

Dilma, acostumada mais à frieza dos gabinetes do Estado que ao calor dos palanques, tem trilhado um caminho menos maniqueísta.

Na esteira das amabilidades com Fernando Henrique, a presidente atraiu também outros grãos-tucanos, o que provoca suspeitas de um movimento de significado político maior.

Sua presença, no Palácio dos Bandeirantes, ninho tucano, ao lado dos governadores paulista Geraldo Alckmin e mineiro Antonio Anastasia, e de FHC, para o lançamento integrado do plano Brasil Sem Miséria, despertou muita atenção.

Para completar, nesta semana, o senador Aécio Neves embarcou no clima de cordialidade. Um dos principais nomes da oposição à Presidência, Aécio concordou com FHC e disse que é hora de "buscar convergências" e defendeu um "pacto de governabilidade" para realizar reformas e apoiar a ação de Dilma contra os focos de corrupção no governo federal.

Pelo inusitado da proposta, o deputado federal Roberto Freire, presidente do PPS, aliado dos tucanos, reagiu à altura de sua surpresa. Afirmou que a sugestão de Aécio e FHC é um equívoco que "beira ao adesismo" e expõe a oposição ao ridículo. "É difícil acreditar!", espantou-se.
De fato, é de se perguntar como a oposição, em vez de desempenhar seu papel crítico em relação a um governo do qual não participa, abdica de sua função em nome da suposta necessidade de um "pacto de governabilidade".

Pactos de governabilidade costumam ser firmados em situações muito raras, de crise ou de reconstrução institucional. É o caso clássico do Pacto de Moncloa, em 1977, que reuniu de direitistas a comunistas durante a redemocratização da Espanha. Ou de momentos como a formação do governo Itamar Franco, após o impeachment de Fernando Collor, em 1992.

Nada parecido está em andamento. Pelo contrário. Desde que os sucessivos escândalos começaram a estourar - Palocci, ministérios dos Transportes (Alfredo Nascimento), Agricultura (Wagner Rossi) - Dilma Rousseff, curiosamente, tem sido mais aplaudida do que bombardeada.

Sintetizou em vacina o que sempre foi veneno na boca da oposição. Não há mar de lama; há faxina. Ameaças de retirada de apoio parlamentar, como a do PR, cujo ministro Alfredo Nascimento foi demitido, não se concretizam. Em nenhum momento, a governabilidade esteve ameaçada.

Faz sentido, dessa maneira, a crítica de Freire, de que a oposição, ao não ser chamada pelo governo para participar, incorre no "erro de se oferecer".

A oposição é oferecida. Mas também pode estar sendo envolvida pela presidente Dilma. Para a cientista política Maria do Socorro Braga, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), apelos à distensão já estavam presentes no primeiro discurso oficial, na posse.

"É uma estratégia da equipe dela, de construir um perfil que tem várias características distintas às de Lula. E Dilma está colhendo os frutos, ao obter mais penetração nas camadas médias, o que Lula não conseguia, até por um preconceito de classe", diz a pesquisadora.

Com esse apoio e a iniciativa de Dilma de se aproximar, a oposição - ela mesma muito dividida - estaria constrangida a se erguer como um obstáculo, afirma Maria do Socorro.

Os benefícios da cooperação seriam muito mais evidentes para a presidente do que para seus adversários. "Ao se aproximar de setores da oposição, Dilma tenta reduzir a força de alguns partidos da base, como o PMDB, que tentam colocá-la contra a parede em troca de cargos no governo", argumenta.

O cientista político Jairo Nicolau, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp/Uerj), vê no "gesto incomum" da oposição um desdobramento de seu comportamento "errático", de quem não tem uma agenda para o país. "Me assusta a ausência de um pacote mínimo de propostas. A oposição se acomodou e parece totalmente dependente de fatores exógenos, como uma grande crise política ou econômica mundial, para ter um discurso e ganhar força".

Detalhe: enorme crise política (o mensalão, em 2005) e outra financeira internacional (iniciada em setembro de 2008) não foram capazes de favorecê-la nas eleições presidenciais de 2006 e 2010.

Jairo Nicolau não acredita que o flerte possa desmontar a polarização entre PT e PSDB, uma vez que ela criou antipatias e rivalidades pessoais que não se apagam "da noite para o dia". O pesquisador, no entanto, lembra que, desde a Constituinte, há muitos pontos em comum entre petistas e tucanos, embora a aproximação pareça estapafúrdia. "O sistema partidário brasileiro se armou entre esses dois polos. Mas, a rigor, não é a distinção mais forte. Certamente, o PP, oriundo do PDS, tem menos a ver com o PT do que o PSDB".

Outra possível explicação estaria na tendência internacional de cartelização dos partidos, cada vez mais voltados para os recursos do Estado e para a diminuição de riscos na competição política. "Há claramente um processo desse tipo. Há dois polos, mas as diferenças são mais carregadas nas tintas do que substantivas. Só se discutem programas (como o Prouni) e não políticas (como a educacional)", diz.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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