segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Gramsci continua atual, diz historiador

Para Alberto Aggio, ideias de pensador italiano podem ser utilizadas para analisar lutas em países árabes hoje

Autor de `Cadernos do Cárcere' é tema da 7ª edição de seminário que começa hoje em Ribeirão e vai até sexta

Juliana Coissi

RIBEIRÃO PRETO - As manifestações contra regimes autoritários na Tunísia e em outros países árabes, os protestos na Espanha e no Chile e a perda de poder econômico dos EUA.

Os últimos fatos no mundo que envolvem questões de democracia e hegemonia tornam cada vez mais atuais os conceitos do pensador italiano Antonio Gramsci (1891-1937). A opinião é de Alberto Aggio, da Unesp de Franca, especialista em história política.

Aggio é um dos convidados da 7ª Semana Gramsciana, que começa hoje em Ribeirão e vai até a próxima sexta.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Folha - Quais fatores históricos de hoje tornam atual o pensamento de Gramsci?

Alberto Aggio - A mesa de que vou participar tem esse título, "Gramsci no seu e no nosso tempo", pois esse pensamento atravessou o tempo dele e chega ao nosso. A democracia foi uma questão central para ele. Hoje vemos que no mundo a democracia é tanto uma grande expectativa quanto um desafio para ser construído em vários cantos, inclusive em lugares surpreendentes, porque quando menos se esperava, o norte da África explode em lutas.

Como o sr. vê esses protestos árabes à luz de Gramsci?

Há por trás disso a ideia de que a globalização alastrou algumas características da modernidade ocidental, mas ela é muito frágil em relação às dimensões políticas e culturais da vida moderna daquilo que era a promessa da modernidade. Gramsci sugere que a democracia é o melhor terreno possível para se formar sujeitos históricos com autonomia de garantir a sua emancipação diante de circunstâncias sociais opressivas. E os países árabes superam realidades históricas de décadas de autoritarismo. Não sabemos efetivamente onde vai dar.

Os protestos no Chile e os conflitos em Londres também têm a ver com essa questão?

O que tem a ver é que há uma crise da democracia representativa, mas não um esgotamento. Há uma crise com uma sociedade civil em vários cantos bastante dinâmica e participativa, reivindicando novas formas. Aí entra a sugestão gramsciana, das formas que a sociedade moderna encontra para se organizar e reorganizar.

E no Brasil, onde se encaixa o pensamento dele hoje?

Eu acho que a democracia brasileira é uma democracia jovem, ainda vivenciando um conjunto imenso de desafios. Nós temos um problema sério que é a corrupção. Essa corrupção mostra que a república e a democracia brasileiras ainda estão calcadas no predomínio da pequena política, e não da grande política, com um ranço tradicionalista, patrimonialista, que não separa o público do privado, onde o bem comum não é pensado de maneira coletiva. Então, nesse sentido, essa reflexão para o Brasil é atualíssima.

E a questão da Venezuela? A democracia liberal não tolera a democracia de Hugo Chávez.

Não acho isso. Primeiro, não acho que o Chávez seja democrático, porque tem perseguições, etc. O que digo é que ele é uma experiência que emergiu em um contexto de crise e de colapso de uma classe política corrupta e, a partir desse vazio, o Chávez, que é um personagem que vem do mundo militar, consegue ser eleito e estabelece uma estratégia muito eficaz da sua reprodução no poder. [Mas] Do meu ponto de vista, a alternância no poder é um elemento chave da democracia.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO, 18/9/2011.

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