quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A impostura do impostaço:: Vinicius Torres Freire

Imposto extra sobre carros importados é medida tão ruim que nem dá para chamá-la de protecionista

O importaço sobre os carros importados parece, a cada dia, mais uma impostura muito mal ajambrada. Uma enganação mesmo. Dizer que se trata de "medida protecionista" já é sofisticar demais a discussão, além de uma reação estereotipada a qualquer medida de política industrial. Mas nem precisamos nos perder em debates sobre "desenvolvimentismos" ou "liberalismos". O buraco é mais embaixo.

Primeiro, de que "proteção" se trata? Para escapar do IPI maior, os carros deverão ter conteúdo mínimo nacional ou regional (do Mercosul/México). Mais da metade dos importados neste ano veio do Mercosul e do México, com os quais o Brasil tem acordo especial de comércio de carros. Lembre-se de que os acordos automotivos "hermanos" são uma série de concessões arrancadas basicamente pela Argentina, acordos e tratados organizados com influência além da conta das montadoras instaladas lá e cá.

O que vem ao caso, no que diz respeito à "proteção", é que as montadoras já instaladas aqui acabam de ganhar reserva extra de mercado de importação. Caso o imposto vingue, podem ficar com 50% do mercado de importados mais um adicional resultante do aleijamento dos importadores chineses e coreanos (28% do mercado, neste ano).

Segundo, ainda a proteção, agora no caso de peças e partes importadas. Os carros deverão ter um conteúdo nacional mínimo de 65%. Como vai se medir o teor "brazuka" ou "hermano" do carro? Pelo preço.

Como no preço final dos bens entra qualquer coisa, do cafezinho da fábrica à publicidade, pode-se imaginar quanta gambiarra pode ser feita a fim de burlar a norma dos 65%. Ou de cumpri-la de modo não muito interessante para a indústria de peças locais, fabricando aqui o esqueleto mais vulgar do carro, importando "peças com mais conteúdo tecnológico" ou "valor agregado", seja lá qual for o clichê, coisas que em tese o governo gostaria de ver fabricadas por aqui.

Terceiro, o que significa "nacionalização"? O carro pode ser "nacionalizado" com peças e tecnologias inferiores? Mais caras?

Quarto, ainda não está explicado por que o governo desistiu do projeto original do "Brasil Maior" ("política industrial" lançada em agosto), em que previa reduzir impostos para as montadoras caso elas incrementassem seus produtos, inclusive com mais "conteúdo nacional".

Quinto, o que sabemos da rentabilidade do setor automobilístico? É crítica? É ótima? O favor que receberam vai redundar em benefícios para quem? Não saberemos. As contas das montadoras são fechadas.

Sexto, nos últimos 12 meses, o preço médio dos carros novos caiu uns 3%, ante inflação média de mais de 7%. Depois do impostaço os preços vão subir? E daí?

Sim, sim, é verdade que as empresas brasileiras estão apanhando com a brutal desvalorização do dólar, com as moedas asiáticas desvalorizadas, com os dumpings etc. etc. Com a piora do câmbio real (inflação em alta). Com a falta de mão de obra qualificada. Com os custos indecentes de capital (juros altos), de energia etc. etc. Mas qual o projeto de médio e longo prazos para lidar com esses problemas? Quase nada além de uma linha de montagem de esparadrapos, dos juros camaradas do BNDES a impostaços como esse dos carros, por exemplo.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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