segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Infecção hospitalar mata 100 mil por ano no Brasil

A falta de cuidado com a higiene nos hospitais públicos e privados produz um quadro dramático no país: a cada ano, cerca de cem mil pessoas morrem devido às infecções hospitalares, conclui levantamento feito pela Associação Nacional de Biossegurança (Anbio). O governo não tem dados consolidados sobre o problema, apesar de uma comissão ligada ao Ministério da Saúde ter sido criada há 26 anos com esse objetivo. A pesquisa da Anbio mostra que, em média, 80% dos hospitais brasileiros não fazem o controle adequado para evitar a disseminação das infecções

Desleixo que mata

Sem controle eficiente, infecções hospitalares causam cem mil óbitos por ano

Carolina Benevides

Faz 26 anos que o Brasil criou a 1ª Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), ligada ao Ministério da Saúde. Passados quase 30 anos, o país ainda não tem dados sobre quantas pessoas morrem anualmente por conta dessas infecções ou o índice de infecção que seria, por exemplo, aceitável na UTI, no berçário ou para doentes que estejam com pneumonia. No entanto, informações retiradas de estudos realizados por todo o país pela Associação Nacional de Biossegurança (Anbio) trazem números alarmantes: em média, 80% dos hospitais não fazem o controle adequado, o índice de infecção hospitalar varia entre 14% e 19%, podendo chegar, dependendo da unidade, a 88,3%, e cem mil pessoas morrem por ano por conta das infecções. A Organização Mundial da Saúde (OMS), por sua vez, estima que as infecções hospitalares atinjam 14% dos pacientes internados no país.

- Os números que temos são estimativas. E, sem números, não sabemos quantos morrem por infecção ou por outros fatores. No que se refere às comissões, cada hospital tem a sua, e a grande maioria funciona burocraticamente. Então, o índice de infecção hospitalar depende da unidade onde o paciente estiver - diz Edmundo Machado Ferraz, fundador e presidente da comissão de controle de infecção hospitalar do Hospital das Clínicas da UFPE e consultor da OMS. - Esse problema só se resolve com transparência. É preciso saber o que acontece nas unidades, com processos controlados por protocolos. Não pode ter segredo. Tem que saber se o profissional se esqueceu de lavar as mãos corretamente, se o paciente fez uso inadequado de antibiótico.

Presidente da Associação Nacional de Biossegurança (Anbio), Leila dos Santos Macedo diz que "o risco não pode ser eliminado nunca, mas é possível bloqueá-lo para que chegue perto de zero":

- O paciente internado está suscetível. E infelizmente o cumprimento das normas de higiene é aquém do esperado. A gente vê profissionais de jaleco no refeitório, e aí eles levam agentes de risco para fora e trazem outros para o hospital. Outros não lavam as mãos corretamente ou não usam máscaras. Em muitas unidades, a troca de filtro do ar-condicionado não é feita frequentemente ou existe alta rotatividade dos profissionais de limpeza, e aí o pano de chão é usado em mais de uma enfermaria. O país tem mais de sete mil hospitais e eu diria que 1% tem um programa de biossegurança rotineiro.

Superlotação facilita contaminação

Um levantamento feito pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), a pedido do Ministério Público Estadual de SP, em 2009, mostrou a necessidade de os programas serem mais seguros: em mais de 90% das unidades, o controle da infecção hospitalar era deficiente. Foram visitadas, ao todo, 158 instituições, na capital e no interior do estado. Dessas, 65 eram públicas e 93, privadas. De acordo com o estudo, 92,4% dos programas deixaram de atender a pelo menos um dos itens verificados, e 82% das comissões de controle não funcionavam adequadamente em pelo menos um dos itens analisados. Além disso, o Cremesp constatou que 28,1% das unidades não tinham "de forma adequada o conjunto para lavagem das mãos nas áreas críticas".

- É revoltante. Os dados mostram que no Brasil muita gente morre de problemas evitáveis. As comissões foram implementadas, mas não funcionam corretamente. Auditorias regulares nos hospitais podiam contribuir. E o governo devia obrigar as unidades a criarem taxas máximas para infecções, por exemplo, nos berçários, em unidades de terapia intensiva e nos centros cirúrgicos, e para infecções urinárias e respiratórias. Hoje, a pessoa morre por estar no hospital. Em casa, não pegaria bactérias adversas - diz Ferraz.

É a sensação que X. tem depois de ter levado uma parente, de 41 anos, para ser internada no Hospital Municipal Souza Aguiar, no Rio:

- Ela ficou num ambiente infecto. A emergência parecia um depósito de gente e fedia a xixi. No primeiro dia, estava numa maca de metal, sem roupa de cama. De lá, foi para uma enfermaria com três leitos. No dia da visita, nós a encontramos suja. Estava com diarreia, e a enfermeira disse que já a tinha limpado três vezes. Ao lado, as outras pacientes comiam. Nenhuma higiene. Ela implorava para ir embora. A gente leva para o hospital para tentar aliviar o sofrimento, e fica arrasada com essas cenas. Ela morreu em 15 dias, de septicemia.

- Com superlotação, o risco de infecção hospitalar é maior. Quando se deixa macas umas ao lado das outras, por mais que haja vigilância, não se consegue controlar isso. É quase impossível manter o paciente numa situação adequada se ele está amontoado. Começam a surgir bactérias mais resistentes - diz Julio Noronha, chefe da emergência do Hospital Geral de Bonsucesso, no Rio.

Gerente de vigilância e monitoramento em Serviços de Saúde da Anvisa, Magda Miranda Costa explica que as CCIHs dos hospitais são obrigadas a notificar os casos de infecção até o 15º dia do mês. No entanto, ela reconhece que "os dados são frágeis".

- Não sabemos se a pessoa morreu mesmo por infecção. Por conta disso, a Anvisa definiu, em 2008, critérios para todo o país sobre o que é infecção hospitalar. E este ano começamos a monitorar o primeiro dos cinco indicadores que vamos analisar. Estamos acompanhando em 1.144 hospitais a infecção primária de corrente sanguínea em pacientes com uso de cateter venoso central em UTIs com dez ou mais leitos.

- Falta de informação não impede que haja política pública. Trabalhamos, por exemplo, para sensibilizar os profissionais de saúde a fazerem adesão à higienização. Além disso, a infecção em UTI é prioridade nacional, mas não significa que os hospitais só façam esse enfrentamento. Daqui a dez anos, talvez tenhamos informação fiel, científica e responsável - diz Diana Carmem de Oliveira, gerente-geral de Tecnologia em Serviços de Saúde da Anvisa.

FONTE: O GLOBO

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