sábado, 24 de setembro de 2011

Pobreza americana:: Merval Pereira

O crescimento da pobreza nos Estados Unidos em 2010, em consequência da crise econômica, recentemente revelado por pesquisas oficiais, fez voltar um debate que chegou a ter até mesmo um pitoresco lado internacional. Ao mesmo tempo em que, no Brasil, o ano de 2010 marcou a ascensão da classe C, a classe dominante tanto em número de pessoas quanto em poder de compra, abrigando mais de cem milhões de brasileiros, nos Estados Unidos houve o inverso, fazendo com que alguns ufanistas considerassem que o Brasil, finalmente, sobrepujara os Estados Unidos.

Já em novembro de 2010, refletindo essa euforia, a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, fizera um pronunciamento no qual registrou que "o Brasil nota com preocupação o aumento do número de pessoas vivendo na pobreza nos EUA e a persistente diferença racial".

Aproveitou para dar uns conselhos ao presidente Barack Obama: que ele fizesse como o presidente Lula e acelerasse os programas sociais contra a pobreza.

Os números oficiais divulgados recentemente mostram que, se o número de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza voltou a aumentar nos Estados Unidos em 2010, para 15,1%, nível mais alto desde 1993, ou, em termos absolutos 46,2 milhões de pessoas, número mais alto em 52 anos, a definição da linha de pobreza pelos padrões americanos confundiu os mais entusiasmados.

A pobreza americana corresponde a uma renda anual de até US$22.314 para uma família de quatro membros, ou de até US$11.139 para uma só pessoa.

Fazendo-se a conversão para reais, essas rendas correspondem à renda de boa parte de nossa classe C, que vai de R$1.200 a R$5.174 por mês.

Para o economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas do Rio, nosso maior especialista em estudos de distribuição de rendas, o que explica essa diferença não é nem mesmo a paridade de poder de compra, que pode amenizá-la, mas "o nível de vida real mesmo, países mais ricos têm naturalmente exigências maiores em relação ao que é ser, ou não ser, pobre".

No nosso estudo de pobreza e de classe média, explica Neri, usamos a distribuição de renda e dados de consumo brasileiros para determinar as linhas de corte para os diferentes estratos econômicos. "A classe média é relativa ao Brasil, não aos EUA, que é um país rico. A renda média americana mesmo depois da crise caiu para US$400/dia PPP por família de quatro pessoas. Logo quase todos os países que se compararem aos padrões americanos serão considerados pobres, sejam africanos ou latino-americanos."

Marcelo Neri ressalta que, na comparação com o resto do mundo, 80% das pessoas vivem em países com níveis de renda per capita menores que o brasileiro. "A distribuição de renda no Brasil é próxima daquela observada no mundo, e a nossa classe média não seria diferente daquela observada no mundo, usando os mesmos métodos", diz ele.

A classe média mundial é definida como iniciando na renda média do Brasil e indo até a renda média da Itália. Com essas tendências distintas de Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e Piigs, (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha), Marcelo Neri desconfia que essa diferença diminuiu bastante.

Os estudos mostram que os mais pobres do Brasil são tão pobres como os pobres da Índia, e os ricos do Brasil não ficam muito atrás dos americanos ricos.

Já o segmento que está no meio da distribuição de renda americana é mais rico do que 94% da população mundial, e o brasileiro mediano tem 62% da população mundial abaixo dele.

Marcelo Neri explica que o termo "nova classe média" foi escolhido para ter um significado positivo, "dá o sentido positivo e prospectivo daquele que realizou - e continua a realizar - o sonho de subir na vida. Mais importante do que de onde você veio ou está é aonde você vai chegar".

Para ele, a nova classe média "não é definida pelo ter, mas pela dialética entre ser e estar olhando para a posse de ativos e para decisões de escolha entre o hoje e o amanhã".

Marcelo Neri rebate a ideia de que a definição de classes é mais baseada no consumo: "Mais do que assíduos frequentadores de templos de consumo, o que caracteriza a nova classe média brasileira é o lado do produtor. A carteira de trabalho é o seu principal símbolo. Isso é o que chamamos em nossa pesquisa de lado brilhante dos pobres."

A nova classe média é a classe central, abaixo da A e da B e acima da D e da E. Neri procura simplificar a explicação: "Os limites da classe C seriam as fronteiras para o lado indiano e para o lado belga da nossa Belíndia."

A classe C aufere em média a renda média da sociedade, ou seja, é a classe média no sentido estatístico, a imagem mais próxima da média da sociedade brasileira.

Dada a desigualdade, a renda média brasileira é alta em relação ao resto da distribuição. "A nossa classe C está dentro dos limites, que variam muito entre si. Alguns olham para a nossa classe C e a enxergam como média baixa; e para a nossa classe B e a enxergam como classe média alta", analisa Neri.

A parcela da classe C subiu no Brasil 22,8% de abril de 2004 a abril de 2008. Nesse mesmo período, a nossa classe A & B subiu 33,6%.

Outros indicadores mostram a ocorrência de um boom na classe C: casa, carro, computador, crédito e carteira de trabalho estavam todos nos seus níveis recordes históricos quando a crise chegou ao país, em 2009, e até há pouco tempo a níveis próximos ou superiores a esses recordes históricos.

Naquele ano, houve uma estagnação na mobilidade social brasileira e, só no mês de janeiro, um aumento da pobreza em cerca de 9%. Mas em 2010 houve a recuperação da economia.

FONTE: O GLOBO

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