sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Política econômica ganha nova orientação

A decisão de cortar 0,5 ponto nos juros, contrariando previsões do mercado e no dia seguinte às declarações da presidente Dilma de que era preciso baixar logo as taxas no país, aumentou a percepção de que a autonomia do BC está ameaçada. Para alguns analistas, o episódio marca um novo ciclo na política econômica do país, com Dilma tomando as rédeas para si. Essa reorientação abalaria o tripé baseado em meta de inflação, superávit fiscal e câmbio flutuante, que vigora desde Fernando Henrique.

Guinada na política econômica

Corte de juros mostra mudança na estratégia, conduzida por Dilma. Para economistas, hora da redução foi errada

Gerson Camarotti e Henrique Gomes Batista

A inesperada redução dos juros básicos da economia pelo Banco Central (BC) na última quarta-feira - em 0,5 ponto percentual, para 12% ao ano - se soma à recente defesa intransigente da necessidade de um ajuste fiscal robusto pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, como sintomas de uma mudança de curso na política econômica: a formulação das ideias centrais passou às mãos da Presidência da República. Economista de formação e uma controladora nata, nas palavras de seus subordinados, a presidente Dilma Rousseff tomou as rédeas da economia e vem moldando a equipe ao seu modo de pensar, no qual o fio condutor é um desenvolvimentismo apoiado no crescimento sustentado, em patamares mínimos de 4%. Para especialistas, porém, o corte da Taxa Selic foi adotado na hora errada já que a inflação no país ainda não dá sinais de desaceleração.

- O sistema de metas de inflação está em xeque. Mudou a política monetária. O tripé superávit primário, câmbio flutuante e meta de inflação está um pouco mambembe - afirma Alessandra Teixeira, economista da Tendências Consultoria.

Para Alessandra, a queda da Selic em um momento de pressão inflacionária e temores em relação aos preços de commodities (produtos básicos com cotação mundial, como petróleo, soja e minério de ferro) é um indicativo de que o governo desistiu de convergir o IPCA para a meta de 4,5% em 2012, com intervalo de dois pontos percentuais para mais ou para menos. Mesmo usando como justificativa a estimativa de agravamento da crise mundial para o corte, analistas acreditam que faltam fundamentos técnicos para a decisão.

"Governo abandonou meta de inflação"

Oficialmente, contudo, o BC sinaliza que o corte nos juros é compatível com inflação na meta em 2012. Segundo rumores que circularam ontem em Brasília, teria também balizado a decisão o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país) no segundo trimestre, que teria sido bem abaixo do esperado. Os dados oficiais serão divulgados hoje pelo IBGE.

- As commodities não estão caindo e não têm essa perspectiva. Pelo contrário, em agosto, mesmo com a piora da nota de crédito dos Estados Unidos, todos os preços subiram, exceto o suco de laranja. Só o café avançou 20% no mês - diz o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto Castro.

- A decisão não é justificável tecnicamente por nenhum aspecto e o BC não deveria se antecipar a uma possibilidade de deterioração do cenário externo apenas - concorda Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, afirmando que a desaceleração da economia brasileira não é suficiente para trazer a inflação para baixo.

Eduardo Velho, economista da Prosper Corretora, diz que as perspectivas para a inflação são ainda piores, pois, em 2012, além de haver uma alta do salário mínimo de 13,6%, há a possibilidade de aumento do gasto público por se tratar de um ano eleitoral:

- De forma implícita, o governo teria abandonado o cumprimento da meta central de inflação de 4,5% no prazo fechado de um ano. No caso de a inflação superar o desejado pelo BC nos próximos quatro meses, a maior probabilidade é de que o governo dê prioridade ao ajuste pelo lado fiscal, elevando o superávit primário, do que propriamente reiniciando um novo canal de alta dos juros. Em suma, uma reorientação da política econômica.

Nesse novo contexto, Alexandre Tombini, presidente do BC, está muito afinado. Segundo interlocutores, Dilma tem dito que nunca viu tanta sintonia entre um presidente da República e um comandante do BC - ao contrário, por exemplo, do que ocorria com Lula e Henrique Meirelles. Ela considera que tecnicamente eles têm avaliações muito semelhantes da conjuntura.

- A presidente influencia diretamente os rumos da política econômica. Todos os integrantes da equipe precisam estar sintonizados - disse ao GLOBO um ministro.

Afinação é diferente de subordinação e falta de autonomia, salientam fontes. O senador Lindberg Farias (PT-RJ) explicita a posição:

- Tem gente confundindo autonomia operacional com independência do BC. O Tombini é ministro de Estado e por isso é natural que ele discuta política econômica com a presidente Dilma e com o ministro da Fazenda.

A presidente chegou à conclusão de que a melhor ferramenta seria atuar no controle de despesas - o que vinha se desenhando desde o início do ano, quando houve o corte de R$50 bilhões, reforçado com o ajuste adicional de R$10 bilhões desta semana - para dar condições de reduzir a taxa de juros.

É dentro desta estratégia que, como mostrou O GLOBO na edição de ontem, Dilma espera encerrar o mandato com o mais baixo juro real da história recente, entre 2% e 3%. Atualmente, está em cerca de 6,5%.

Mas nem todos acreditam que houve mudança na política. Armando Castelar, professor da UFRJ, o BC se baseou em estimativas:

- E a projeção do BC está mais pessimista que a do Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA).

Colaboraram: Eliane Oliveira e Ronaldo D"Ercole

FONTE: O GLOBO

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