sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Um país politicamente à deriva: Bolívar Lamounier

O atual momento político brasileiro demonstra que um país pode estar à deriva no aspecto político sem necessariamente comprometer a economia ou causar sobressaltos sociais. No curto prazo, pelo menos, esta afirmação se sustenta bastante bem.

Dito isso, vou sugerir dois pontos que me parecem relevantes para a nossa discussão. Primeiro é esclarecer o que quis dizer com a expressão “um país politicamente à deriva”, indicando, naturalmente, algumas das possíveis causas de tal desarranjo. Segundo, informar que remédios têm sido aventados e dar minha opinião sobre eles.

Sobre o país estar à deriva, o ponto sine qua non é a queda de cinco ministros nos primeiros oito meses do governo Dilma Rousseff. O leitor poderá objetar, legitimamente, que ministros são demissíveis ad nutum. Se a presidente entendeu que eles não poderiam permanecer, pronto, não permaneceram.

Seria um bom argumento se o fato mencionado pudesse ser considerado relativamente normal, mas eu duvido que algum observador experiente da cena política acredite nisso. Cinco demissões em oito meses dentro de um quadro normal soa-me como uma contradição em termos; considerando que quatro delas ocorreram por motivo de corrupção, não sobra muito a discutir. Trata-se de um fato sem paralelo na história brasileira e quiçá na história das democracias modernas, em tempos normais.

Outra interpelação que o meu hipotético leitor poderá fazer, com toda legitimidade, é a de que a governabilidade está assegurada, malgrado todas essas demissões. Precisaríamos dar um trato nesse conceito, mas vou aceitar, em nome da simplicidade, o entendimento corrente, segundo o qual a governabilidade se configura na medida em que o Executivo consiga a aprovação do Legislativo para suas propostas. Permito-me apenas observar que, nesses termos, a situação ideal seria a de certas ditaduras que mantêm um Congresso de araque em funcionamento com o intuito de preservar uma fachadazinha de legitimidade. Em tais regimes, o Executivo raramente se dá ao trabalho de enviar projetos sérios ao Legislativo, mas aprova 100% dos que envia.

Não estou insinuando ser essa a situação atual do Brasil. Nem estamos numa ditadura nem o esquema vigente de poder conseguiu subjugar por completo o Legislativo.
Feita essa ressalva, eis a situação que estamos observando:

1. os partidos governistas fizeram a maioria em ambas as Casas; os partidos de oposição encontram-se numérica e politicamente debilitados; não é exagero dizer que estamos quase sem oposição;

2. é certo que o Executivo não vem tirando de letra as votações, como sem dúvida gostaria; mas atenção, o que lhe complica a vida são as escaramuças entre PT e PMDB, ambos possuídos por uma voracidade clientelista sem paralelo desde o Marechal Deodoro da Fonseca;

3. a criação do PSD pelo prefeito Kassab – projeto norteado por um adesismo sem rebuços-, irá evidentemente piorar a situação referida no primeiro item.

À parte aquele labirinto de fatores históricos que acaba nos levando ao Estado português da era dos descobrimentos, as causas dessa “apagada e vil tristeza” que se oferece diariamente aos nossos olhos podem ser resumidas em dois pontos principais. De um lado, um círculo vicioso em que o Congresso se aprisionou desde o longo período de anemia a que foi submetido pelos governos militares: impotência e corrupção resultam numa acentuada mediocrização da carreira política eletiva; a mediocrização afugenta a maior parte dos candidatos mais sérios e promissores; a fuga destes favorece os menos sérios e vulneráveis à corrupção; estes, eleitos em grande número, impedem a recuperação da instituição legislativa.

Do outro lado, a inexistência, neste momento, de condições de diálogo ou de disposição e tirocínio entre os principais líderes do país com vistas a procurar saídas.

O resultado é o que eu comentei no meu post anterior. O Congresso entregou-se desde o início do ano a uma discussão de reforma política que em certos momentos impressiona pela irrelevância, em outros por expedientes e alvitres que beiram a ilegitimidade; a proposta sobre o financiamento público de campanhas, por exemplo, que deixa bem à mostra a intenção de eternizar a presente situação de vantagem do PT e do PMDB.
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FONTE: BLOG DO BOLÍVAR

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