sexta-feira, 28 de outubro de 2011

E o vento levou :: Fernando Gabeira

Lula aconselhou o PC do B a resistir. É preciso enfrentar o vento, não se deixar levar pela tempestade. Os orientais dariam um conselho oposto: é preciso se curvar ao vento, para que não nos arranque do chão, em sua trajetória.

Existem exceções de homens e mulheres que enfrentaram a ventania de peito aberto e não foram arrastados por ela. Todos eles, entretanto, têm um ponto em comum: a defesa de uma grande causa.

O ex-ministro Orlando Silva disse que estava lendo a biografia de Nelson Mandela para se inspirar. Errou de Mandela. A biografia de Winnie Mandela seria mais adequada, pela fluidez da fronteira entre política e crime em sua história pessoal.

A fragilidade da resistência do governo é esta: uma causa clandestina. Ela só vale para alguns dirigentes e militantes que a consideram legítima. A causa é o direito de aparelhar a máquina do Estado para fortalecer os partidos. Por ser antirrepublicana, não pode vir à luz. Daí a insistência em fazer espumas: querer provas de que um dinheiro foi entregue na garagem, recusando-se a fornecer as provas de gastos de R$ 49 milhões.

Além de estar defendendo uma causa que não pode vir à luz, o governo não analisou a natureza da ventania. Há ventos, como o Sudoeste, no Rio, que são indício de tempestade. Lula usou um argumento de força, não de sabedoria, porque está baseado em dois fatores: a popularidade interna e o reconhecimento internacional. Ambos são fatores dinâmicos, não qualidades naturais, imutáveis. Dependem das escolhas políticas.

A corrupção no campo esportivo é de fácil compreensão popular. Ela não foca somente o que se passa no governo, mas também na CBF, dirigida por Ricardo Teixeira. O anfitrião da Copa do Mundo iria apresentar-se, internacionalmente, com uma dupla singular de dirigentes: Teixeira e Silva. Um é investigado pela Polícia Federal, o outro é investigado pelo Supremo Tribunal Federal a pedido do Ministério Público.

A terceira fragilidade na resistência do governo é a análise do adversário. Alguns adeptos entusiasmados escreveram na rede que a manutenção de Orlando Silva e do esquema do PC do B era o confronto de uma presidente eleita com a mídia golpista. A análise vai mais longe, a julgar por declarações esparsas de Lula. Numa delas, afirmou que quase ninguém lê jornais na Baixada Fluminense. Esqueceu que, pela internet, os jornais chegam, como nunca chegaram, às áreas metropolitanas.

O que anima essas distorções é a redução da imprensa a uma variável eleitoral. Foi possível vencer as eleições sem ela, logo, é possível enfrentá-la - afirmam. Daí o espanto do governo com a sucessão de denúncias, classificada por Gilberto Carvalho como um momento de histeria.

Mas o quadro é outro: a sucessão de denúncias é apenas o trabalho da máquina profissional na coleta de dados. Sem ela a população ficaria mais indefesa diante dos governos. As denúncias aparecem, nesse ritmo, porque repórteres trabalham dia e noite para elucidar a passagem do PC do B pelo Ministério do Esporte.

Outra frágil sustentação no confronto é a evidência de que o PC do B cresceu nesse período. É fato que o uso da máquina do Estado turbina o crescimento dos partidos. Não é a única forma de crescer. Com essa prática a democracia se enfraquece, as eleições vão perdendo vida. Como vencê-las só com um candidato, um programa e uma equipe de governo?

Não tenho o hábito de olhar para trás e dizer: naquela época tinha razão. Mesmo porque já me equivoquei muitas vezes. No entanto, quando descobrimos, em 2008, que os kits de merenda do programa Segundo Tempo foram usados na boca de urna, protestei, porque sentia na carne que a democracia na competição estava sendo fraudada.

Não me equivoco agora: a resistência do governo foi um erro histórico. Manter o PC do B com essas ONGs fajutas e enfrentar a onda de denúncias abriria um grande flanco interno. Ignorar o elo entre Ministério do Esporte e a corrupção e entregá-lo a um partido associado, no imaginário internacional, ao século passado abriria um grande flanco externo.

A Copa do Mundo representa um investimento alto, embora ainda não saibamos quanto. Seu êxito se mede pela eficácia na realização dos jogos, pelo legado de infraestrutura e também pela projeção do prestígio do País.

As pessoas que veem no episódio um confronto da imprensa golpista com o governo ficariam surpresas com as reportagens fora do Brasil. Nesse caso, teriam de migrar para um conceito de golpe da imprensa internacional. Viveriam um pesadelo, achando que a opinião pública planetária se uniu para tirar os empregos do PC do B. Não é isso só que está em jogo.

Não somos uma República bananeira. Mas também não podemos ser uma República de laranjas. Esse processo de tomada da máquina estatal não é perverso apenas por desviar dinheiro de áreas necessitadas. É um processo cuja estratégia é a permanência no poder, reduzindo as chances de alternância democrática.

Não quero dizer com isso que o governo seja o culpado pela fragilidade da oposição. São poucos os políticos que se opõem claramente à ocupação partidária da máquina. No entanto, vivemos um momento claro de transição. As demandas sociais por mudanças políticas estão no ar, embora ainda neutralizadas por uma sensação de bem-estar com o crescimento econômico.

Classificar a luta contra a corrupção como algo da direita moralista, congelando-a em outro momento da História do Brasil, é a cereja no bolo do festival de equívocos.

Corrupção, esporte, Copa do Mundo. Não é fórmula para vencer. Como dizer isso aos patriotas do PC do B, que têm um cargo de direção na Agência Nacional do Petróleo e constroem uma casa de campo em cima de um oleoduto da Petrobrás? Responderiam que torcemos contra o clube verde e amarelo, do qual se sentem sócios proprietários.

Ainda bem que Orlando Silva se considerava indestrutível. Sua pobreza de espírito é adequada para seguir os conselhos de Lula. E ser levado pelo vento.

Jornalista

Fonte: O Estado de S. Paulo

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