sábado, 15 de outubro de 2011

A esquerda e a corrupção :: Aldo Fornazieri

O tema da corrupção parece ter entrado com força na agenda política do País - ao menos momentaneamente. A queda de cinco ministros envolvidos em denúncias, inúmeros casos de corrupção em prefeituras, Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas, governos estaduais e no Senado amplificaram o tema na opinião pública, criando a impressão de que há uma corrupção generalizada nas estruturas do poder. Para além do caráter escandaloso dos eventos, outro fator contribui para uma tolerância cada vez menor da sociedade em relação à corrupção: a mudança do perfil social, com a ampliação dos níveis de instrução e informação.

Esses dois fatores fizeram o tema da moralidade pública ganhar as redes sociais e as ruas na forma de vários protestos que se disseminaram a partir do dia 7 de setembro. Esses protestos são marcados por uma curiosidade: convocados espontaneamente, não são patrocinados pela oposição e não contam com a participação dos movimentos sociais organizados, menos ainda com a presença das agremiações de esquerda e do PT.

Se tomarmos, para efeito de análise do tema da corrupção, o recorte temporal que vem do processo de redemocratização para cá (1985-2011), é possível dizer que a esquerda teve duas posições completamente distintas sobre o assunto.

Do governo José Sarney ao final do governo Fernando Henrique Cardoso, a esquerda, particularmente o PT, exerceu uma espécie de monopólio da representação da indignação moral da sociedade contra a corrupção. O PT desfraldou a bandeira da moralidade pública como um dos principais ativos da construção de seu processo de legitimação, que terminou levando o partido e Lula ao poder.

O campo de batalha onde foi travada essa luta teve várias frentes: proposição de comissões parlamentares de inquérito (CPIs), passeatas, discursos em manifestações políticas, denúncias em tribunas parlamentares, recursos ao Ministério Público e afirmação de princípios em documentos e congressos. Não foi de somenos importância, no processo da construção do PT e de sua legitimidade, a conquista de posições morais junto à opinião pública. Parte importante das chamadas classes médias aderiu ao partido por causa da bandeira da moralidade pública e do combate à corrupção.

Se bem que algumas denúncias de corrupção pipocassem em prefeituras administradas pelo PT antes do escândalo do mensalão, foi este evento que tirou o calço moral do partido e proporcionou o seu reposicionamento sobre o assunto. Certamente a grande maioria dos petistas, a militância de base, é contra a corrupção. Mas ela vem sendo submetida a um silêncio obsequioso sobre o tema por parte da estrutura do partido. Silêncio que, perigosamente, se vai tornando costume e perda de capacidade de indignação. O problema vai além: setores do PT, de outros partidos de esquerda e até mesmo intelectuais elaboram argumentos que, no fundo, são justificadores da corrupção praticada nos governos populares que essas agremiações encarnam.

Um dos principais argumentos justificadores é o de que as atuais denúncias contra a corrupção representam uma criminalização da política e dos políticos, resultando em despolitização e repulsa à política. Ora, se houvesse um denuncismo vazio, destituído de fatos, o argumento até poderia ser levado a sério. Mas as denúncias não foram desmentidas. Dessa forma, o argumento não passa de uma cortina de fumaça, cuja função é a de acobertar crimes contra o bem público. Não há nada mais antipolítico do que a corrupção, pois ela corrói a confiança da sociedade na política, nos políticos e nas instituições. A restauração da dignidade da política requer um permanente zelo pela moralidade pública.

Um segundo argumento reza que as denúncias, patrocinadas "pela oposição e encabeçadas pela mídia", têm por objetivo desestabilizar o governo Dilma Rousseff, gerando uma incompatibilidade com a base aliada. As denúncias teriam de ser rebatidas para garantir a governabilidade. Antes de tudo, é preciso dizer que não é a mídia que cria o escândalo. É o escândalo que gera a pauta. Todos sabem que para garantir a governabilidade no Brasil é necessário um governo de coalizão. Mas não há nenhuma regra que diga que a coalizão, que se expressa na composição do Ministério, tenha de ser constituída de corruptos. Existem políticos honestos e competentes em todos os partidos.

Cabe perguntar: por que políticos com passivos morais sabidos são nomeados para ministérios e altos cargos governamentais? Na verdade, são governos corruptos que põem em risco a governabilidade e sua legitimidade.

Um terceiro argumento sustenta que a presidente Dilma "caiu numa armadilha" ao, supostamente, aceitar a tese imposta da "faxina". Por um lado, teria permitido que se estabelecesse um contraponto entre o governo dela e o do Lula. Por outro, teria assumido o risco de se sujeitar à lógica das pressões decorrentes das denúncias. Dilma, de fato, precisa agir com maior presteza em reação a denúncias de corrupção, pois seu governo está em consolidação e ela não tem um histórico de liderança popular. Permitir que se acumulem denúncias sobre seu governo pode levar a um desgaste fatal.

Até agora, Dilma beneficiou-se perante a opinião pública por essa presteza. Mas é preciso dizer que ela é responsável pelas nomeações e não pode delegar essa tarefa ao líder do PMDB, ao presidente de outro partido ou a quem quer que seja. E se ela é menos tolerante com o chamado "malfeito", isso deve ser saudado como avanço e um benefício para o País, e não negado por temor de comparações com o governo anterior.

O ideal seria que os políticos reagissem positivamente às pressões da sociedade, dando bons exemplos e aprovando uma Lei de Acesso à Informação Pública e um Estatuto Anticorrupção.

Diretor Acadêmico da Fundação Escola de Sociologia Política, de São Paulo (FESPSP)

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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