domingo, 16 de outubro de 2011

Labor sem rosto - Ricardo Antunes - Entrevista

Para sociólogo, vivemos uma nova morfologia do trabalho, à qual precisamos dar dimensão humana

Mônica Manir

Ricardo Antunes pôde escolher a capa de seu último livro e não fugiu ao lavoro. Quis A Vendedora de Flores, do mexicano Diego Rivera, porque ali há uma mulher carregando um fardo e ele queria explorar, sem mais-valia, a feminização do trabalho. "Porque, quando se vai para o mundo latino-americano, é gênero, é etnia."

Estudioso do universo do trabalho há quase 40 anos, metade deles voltados à classe operária brasileira, metade aos que suam nos países capitalistas do Norte, ele agora trata do continente do labor, que é como chama a nuestra América no título do livro que lança no último dia de outubro. Nesta entrevista dada no feriado de quarta-feira, o sociólogo da Universidade de Campinas explica de onde vem essa nossa pendência para o extenuante. Também usa as greves dos Correios, recém-desmontada, e a dos bancários, ainda em vigor, para fazer um balanço do movimento sindical do País, que pena para entender a classe trabalhadora ampliada e diversificada. Por fim, como um recreio entre quase duas horas de conversa, sai-se com esta brisa, à moda latina: "Às vezes até no trabalho se brinca, como se buscam coágulos de felicidade".

Por que chamar a América Latina de continente do labor?

A América Latina nasceu sob o signo de apêndice das metrópoles Espanha e Portugal, que converteram esse continente num prolongamento. No caso hispânico, um prolongamento de extração de ouro e prata. No brasileiro, além dos metais preciosos, houve a montagem de um processo de produção que Caio Prado Jr. bem chamou de colônias de exploração. Essa montagem se assentava na intensificação do trabalho, seja sob o modo escravista indígena, seja com base na mão de obra africana. Nosso continente, portanto, nasceu para o labor. O labor chama a atenção para a dimensão extenuante, de sofrimento. Se o trabalho é um pêndulo entre criação e servidão, o labor é o pêndulo no seu lado negativo. Vivemos para o enriquecimento externo.

Quando se deflagraram as primeiras greves no continente?

O assalariamento no continente latino-americano começou em meados do século 19. Em 1858, há uma greve de trabalhadores gráficos no Rio de Janeiro. Em 1890, uma manifestação na Argentina, que marcou o 1º de Maio naquele país. Na viragem do século, ocorreu, pela política de substituição de importações, um assalariamento intensificado. Aí as greves não mais pararam. Tivemos a de 1917 no Brasil e outras importantes na Bolívia, na Colômbia, no México, no Uruguai, na Argentina. Na década de 50, às vésperas da revolução cubana, a greve geral em Havana também foi importante.

E quanto à organização dos sindicatos? Há elementos comuns na América Latina?

O continente é muito heterogêneo nesse sentido. Houve no Brasil uma importante experiência anarcossindicalista, que tem relação nítida com a imigração italiana, espanhola e outras que povoaram nosso mundo assalariado, especialmente no início do século 20. O anarcossindicalismo também teve expressão no Uruguai e intensidade relativa no Chile e no Peru. Os anarcossindicalistas eram contra a organização político-partidária. Lutavam pela ação direta, o aqui e agora, a confrontação. Mas há países onde o anarcossindicalismo disputava com o chamado socialismo da Segunda Internacional, o socialismo reformista. É aquele socialismo que quer mudanças da sociedade capitalista para a socialista por meio de reformas do processo eleitoral. Na Argentina, por exemplo, o socialismo reformista disputou com o anarcossindicalismo a hegemonia nos sindicatos. O descontentamento com um e outro gerou o movimento comunista, que propunha um partido político para a organização dos trabalhadores. Queriam transformar o Estado burguês num Estado operário.

De qual corrente está mais próximo o sindicalismo brasileiro hoje?

Ele é hoje é uma confluência complexa de três ou quatro movimentos. Primeiro, o "novo sindicalismo", assim entre aspas, que nasceu nos anos 70 e do qual Lula foi a maior liderança. O novo sindicalismo gerou uma linhagem que fundou a Central Única dos Trabalhadores, a CUT, em 1983, e, através da renovação de suas lideranças e de suas gerações, predomina hoje na Central, embora muito diferente de seu início. Uma segunda vertente importante é o sindicalismo pelego dos anos 30, 40, 50, que foi se revigorando. O pelego, aquele amaciador que vai entre o lombo do cavalo e o cavaleiro que está trotando, aquele líder sindical que amortece os conflitos entre o capital e o trabalho, esse você não elimina. Os pelegos se diziam colaboradores de classe. Qualquer que fosse o governo, eles apoiariam. A Força Sindical herda uma parte desse velho sindicalismo. Não por acaso ela apoiou o Collor, apoiou o Itamar, apoiou o Fernando Henrique, apoiou o Lula, apoia a Dilma e é capaz de sentar no palanque com Serra e Alckmin. Claro que a Força Sindical não é só peleguismo. Ela tem ex-comunistas e ex-militantes do novo sindicalismo que hoje acham que a sociedade capitalista é boa, só precisa ser um pouquinho mais justa. Se for olhar dentro da CUT, há tendências que se aproximavam do anarcossindicalismo, mas no passado. Hoje essas correntes estão em núcleos de estudo, em poucos militantes mais antigos ou num movimento com traços de anarquia presente mais na juventude e menos no movimento operário.

As diferenças entre a Força Sindical e a CUT têm diminuído?

Em muitos pontos, sim. Na década de 90, elas não passavam do mesmo lado da rua. Hoje, quem não é ministro quer uma secretaria no governo. Ambos estiveram na gestão Lula e agora estão na da Dilma. Isso mostra a capacidade que o Lula teve de cooptar no aparato de Estado uma parte importante da cúpula do sindicalismo brasileiro. Trouxe a Força Sindical, porque não é difícil trazer a Força Sindical para governo nenhum. E trouxe a CUT, porque a CUT tem relações ontogenéticas com o PT, são em certo sentido aparentados. Num governo petista, ainda que com tudo que está lá dentro, é evidente que a CUT se sente mais em casa do que se sentia no do PSDB.

Elas pensam de forma parecida sobre o imposto sindical?

A Força Sindical defende o imposto porque, tendo dinheiro, para ela tudo fica mais fácil. A CUT é contra o imposto sindical, mas não o devolve. Aliás, uma das piores coisas do governo Lula, das mais nefastas, foi ter ampliado o imposto sindical para as centrais, coisa que nem o Getúlio ousou fazer. As centrais sindicais hoje têm uma fatia de dinheiro enorme, que vai para elas direto. A nenhum associado é perguntado se quer descontar esse imposto ou não. A única entidade sindical que não o aceita e, nesse ponto, é absolutamente coerente é a Conlutas. Ela diz que vai viver do pagamento autônomo dos associados. Porque, quando se vive de um recurso que o Estado arrecada e repassa, desvirtuou-se a autonomia.

No seu livro, o senhor afirma que o governo Lula contou com o suporte de forte parcela da burocracia sindical. Dilma, ao indicar o corte de pontos dos trabalhadores dos Correios, gerou antipatia nos sindicalistas?

O Lula é um dos casos mais bem-sucedidos da política brasileira do self-made man, daquele indivíduo que vai subindo as escadas e chega ao alto. Cada degrau da sua ascensão foi um valor que ele deixou para trás. Já cansou de falar que trabalhador tem de ser descontado, esquecendo seu passado. Nos anos 78, 79 e 80 ele celebrizava as greves por buscar melhores direitos e lutar para que não houvesse o desconto dos dias parados. Ao mesmo tempo, Lula é um conciliador, uma variante de semibonaparte. Não no sentido ditatorial, o que ele nunca foi. É um semibonaparte porque é o pai de todos, concilia os inconciliáveis. A Dilma é mais dura e o corte de ponto pode ser uma questão de conflito, sim. Já houve greve metalúrgica de 41 dias. Se um trabalhador fica 41 dias sem receber num ano, imagine como fica seu orçamento anual, que já é caótico na normalidade. Tem muita gente dizendo que fazer greve é tirar férias. O Guimarães Rosa diz que pão e pães é questão de opiniães. Cada um dá a sua, mas, ao fazer greve, as pessoas têm medo da repressão, não sabem se serão demitidas, às vezes a família é contra. Não raro fazer greve é muito pior que trabalhar, pensando no infortúnio que o trabalhador sente porque pode perder não o aumento, mas o emprego.

Durante a greve dos Correios, os sindicatos teriam reclamado que as franquias e as empresas mistas de logística criariam portas para a privatização do serviço. A presidente diz que isso não procede. Procede?

Não tenho dúvida de que procede. Ela não disse na campanha eleitoral que não ia privatizar mais nada? O que está acontecendo com os aeroportos? É evidente que os Correios estão intentando ações para se tornar uma transnacional latino-americana. A empresa arrocha seus trabalhadores. Onde havia três, agora há um. Tem muita gente interessada em que essa privatização se dê. Quando os Correios garantem um custo mínimo para entregar uma carta simples no interior da floresta amazônica, essa correspondência é antieconômica para a empresa, mas profundamente humana, justa e social. Numa empresa privada, vão dizer ao cidadão que vá buscar a sua carta na cidade mais próxima, que dista 150 km, e de barco. Uma empresa privada tentará tornar a carta rentável. Nenhuma que se privatizou prestou melhor serviço para a população e mais barato. Quando o serviço é melhor, ele é muito mais caro - e frequentemente é mais caro e não é melhor. E não é só no Brasil que isso acontece.

Deveria haver regulamentação das paralisações dos servidores públicos?

Esse é um capítulo delicadíssimo. Tivemos na constituição de 88 o direito pleno de greve. Numa legislação suplementar, seriam estudados casos excepcionais. Às vezes ouço: a greve está penalizando a população. Mas não conheço nenhum caso bem-sucedido em que uma empresa diz que vai dar mais do que pedem os empregados. O continente do labor é isto: lutar para conseguir o mínimo, especialmente nas categorias que não dispõem de capital cultural para que possam negociar o preço de sua força de trabalho com mais intensidade. Se for regulamentar, tem de saber primeiro o que é vital. Em hospitais, não se pode deixar as pessoas morrerem. Agora, se tudo é prioritário, por que o salário não o é? Só para lembrar: o que os bancos estão propondo de aumento acima da inflação para os bancários não chega a 1%, e nesta quase uma hora em que estamos falando é incalculável o lucro que os bancos tiveram num dia que é feriado, só pela especulação.

O senhor comenta a drástica redução do contingente de trabalhadores bancários na América Latina. A que se deveu isso?

Chegamos perto de 1 milhão de bancários em 1980. Hoje são cerca de 490 mil, mas certamente há um outro tanto, perto disso, que está terceirizado. Quando você liga à noite para o banco e quer fazer uma operação, não está falando com um funcionário, e sim com uma empresa terceirizada. Isso tem riscos de todo tipo, até mesmo de sigilo bancário. Vivemos uma nova morfologia do trabalho, na qual há um trabalho invisibilizado ao qual precisamos dar uma dimensão corpórea, humana e subjetiva. É o call center, o motoboy, os trabalhadores dos grandes supermercados. Só no call center do Brasil há mais de 1 milhão. É uma das mais significativas categorias que aglutinam trabalhadores, quantitativamente falando. O filósofo Jürgen Habermas disse, em 1980, que o problema da classe trabalhadora europeia é que ela tinha se integrado ao capitalismo tardio e se pacificado. Imagino o que está pensando da "pacificação" da Grécia hoje, de Portugal, da Espanha, da Itália, dos EUA, da China. Aliás, o país onde há mais greves no mundo é a China.

E eles conseguem o que pedem?

Como saber? Mas, até um ano atrás, a China não tinha legislação social do trabalho. O discreto charme do trabalhador e da trabalhadora chinesa é a intensa exploração do seu trabalho. Pois há uma empresa que obriga os candidatos a emprego a assinar um documento em que está escrito que não vão se suicidar. Se se suicidarem, o pecúlio que ficaria para a família será perdido. É tentar impedir o nível de suicídio no país, que começa a ser alto, como é alto na França e na Coreia. Para entender o abominável mundo do trabalho hoje, só na France Telecom, nos últimos três anos, houve aproximadamente 45 suicídios. Isso abalou o governo Sarkozy, você está entendendo?

É suicídio de recém-demitidos ou de empregados?

É de empregados. A Telecom entrou num processo de privatização. Aí passou a exigir metas e competências, mais metas e mais competências, quem não as atingia era demitido. A pessoa entrava na Justiça e conseguia voltar. Então a empresa pegava esse trabalhador e dizia: "Veja como um trabalhador não pode ser". Botava ele num boxe e isolava como um mau exemplo a evitar. No terceiro dia, o indivíduo não aguentava mais a discriminação. Deixava um bilhete.

Isso se assemelha às mortes por excesso de trabalho que acontecem no Japão?

A morte por excesso de trabalho é o karoshi. O trabalhador está vendo que sua empresa está falindo. Diz que vai trabalhar mais porque se sente culpado por isso. Pode ser o trabalhador de base ou o gestor. Ele fica 4, 10, 12 dias sem sair da empresa e sem parar de trabalhar. Então morre. É interessante saber que nesse país em que mais se trabalha no mundo existem hoje cybercafés em que, a partir de certa hora da noite, o preço da internet é quase zero. O jovem trabalhador japonês, imigrante ou migrante, que não tem casa para morar nem dinheiro para alugar aqueles cubículos, vai para esse cybercafé e faz o chamado três em um. Primeiro, descansa. Depois interage com sua rede social. Então aproveita para buscar trabalho contingente, em que porto vai descarregar, em que fábrica. É melhor fazer isso que ficar pela rua. Isso é em Tóquio. Em Tóquio. É por isso que a classe trabalhadora está nervosa em escala mundial.

Várias empresas estão investindo no bem-estar do funcionário para aumentar a produtividade. Massagem, aulas de esporte e até acupuntura estão sendo usadas. O senhor vê isso como uma conquista?

O corpo produtivo está adoecendo e o subjetivo também. E o mundo das empresas precisa desse corpo para intensificar a meta e a produção. Se eu não trato esse corpo doente do trabalho com aspirina, a dor é alta. Então dá aspirina para o povo, ainda que a doença seja mais profunda.

Isso é aspirina?

E tenho dúvida se do melhor laboratório.

Como os sindicatos podem atuar quanto aos desempregados?

Difícil. Tenho acompanhado Itália, Espanha, Inglaterra, EUA, Japão. O sindicato nasceu como um órgão da fábrica. Não está fácil na fábrica saber quem é o terceirizado, quem não é. Também parece complicado medir o desemprego. Quem trabalha uma hora por dia está empregado ou desempregado? E aquele que não procura emprego porque não tem dinheiro? Ele também não é considerado desempregado. Em 2001, de cada dois argentinos, um estava fora do mercado. Então nasceu a Central dos Trabalhadores Argentinos (CTA), que tem uma política voltada para a organização dos trabalhadores desocupados. Isso é uma experiência importante, mas é como se o sindicato tivesse de lidar com uma experiência que desconhece. E desconhece tantas... Por que, por exemplo, o presidente do sindicato dos trabalhadores em telemarketing é um homem, sendo que 60 a 70% da categoria é composto por mulheres?

Essa discriminação acontece na maioria dos sindicatos, não?

Tenho uma série de livros de pesquisa que se chama Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil. No volume 1 há um depoimento muito bonito de uma metalúrgica de Campinas. Ela disse: "Eu e meu marido trabalhamos na mesma empresa. Quando tem uma assembleia de noite, meu marido fala o seguinte: "Você vai pra casa e prepara a janta que eu vou passar no sindicato. Lá pelas 10 horas eu chego. Mas fica tranquila, a gente janta junto"". Aí ela pergunta: "Por que eu tenho de ir pra casa, e não ele?" Porque ainda existe uma divisão sócio-sexual tradicional do trabalho. Nas decisões sindicais, para não falar das partidárias, há predominância masculina. E trato dos sindicatos mais combativos, que sabem que homens e mulheres trabalham, jovens e não jovens também, brancos, negros e índios idem. Se os sindicatos não entendem essa nova morfologia do trabalho, como vão representar a classe trabalhadora ampliada e diversificada?

Quem critica o novo aviso prévio, de até 90 dias, diz que aumentará o ônus dos empregadores e intensificará a informalidade. O senhor concorda com esse raciocínio?

Os que dizem isso são os mesmos que foram contra o prolongamento da licença-maternidade, que são a favor de acabar com o descanso semanal remunerado, sempre com o pretexto de que as empresas têm prejuízo com essas medidas. É falacioso isso. O aviso prévio está na constituição de 88. Deveria estar regulamentado pelo Congresso há mais de 20 anos. O Congresso é o fórum do parasitismo, a paralisia, a corrupção, a travagem, a deslegislação para a negociação. Quando o Judiciário começa a se mexer, o Congresso corre. A medida tomada é muito razoável. O aviso prévio de quem está há 20 anos numa empresa tem que ser maior do que aquele que está há um ano porque o primeiro perdeu o pé do mercado de trabalho. Vai ter de entrar na lei da selva com seus 35, 40 anos. Alguém dizer que isso vai diminuir o lucro da empresa... É evidente que vai diminuir, mas pouco. O Brasil tem uma das mais altas taxas de lucro do mundo. A comida do pintinho é a quirera. Vai ser na quirera.

E quanto ao aumento da informalidade?

Fui convidado pelo TST para aquele seminário da regulamentação da terceirização que citei. Ali ouvi um industrial dizer que, se você limitar a terceirização, você precariza.

Precariza o quê?

Precariza o trabalho. Por consequência, se deixar a terceirização livre, para fazer o que quiser, é bom para os trabalhadores. Não há nenhuma pesquisa científica, feita com independência, que defenda essa tese, entendeu? Todos os estudos sérios mostram que o maior número de acidentes de trabalho ocorre entre os terceirizados, assim como o maior número de mortes no trabalho e os adoecimentos. Quem disse isso deve estar nadando em diamantes em cima do trabalho dos terceirizados. Pessoas razoavelmente lúcidas dos países avançados, nem falo de gente de esquerda, mas dos mais brandos, entendem que não se combate a estagnação cortando salário nem direitos porque haverá menos produção, menos consumo, menos emprego. Mas os governos intervêm nos bancos com bilhões e os bancos pegam esses bilhões para remunerar os gestores que faliram os bancos. Aí a população diz: "Não dá mais". E ocupa Wall Street.

O senhor apostaria em um Ocupar a Avenida Paulista?

Já imaginou? Depois você pode imaginar a Revolta dos Imigrantes do Brás e do Bom Retiro, ou o Levante da Periferia do M" Boi Mirim, de gente que não quer mais morar em casas à beira da explosão porque foram construídas em cima de lixões. Falando sério, aqui o quadro é diferente porque houve, por parte da população brasileira, a perspectiva de que, em 2002, o governo iria mudar. O Bolsa Família é algo muito mais do que o R$ 1 que o rico deixa na porta da missa depois que sai de alma lavada. Se o Bolsa Escola do FHC atingia 2 milhões de pessoas, o Bolsa Família chega a 12, 13 milhões. E a população percebe a diferença. Agora os movimentos sociais sabem que uma coisa é lutar contra o Collor, outra é enfrentar o Fernando Henrique, outra é lutar contra um governo como foi o de Lula e parece ser o de Dilma, que tem ascensão sobre todos os movimentos sociais. Os anos 80 foram uma das décadas mais importantes de lutas sociais no Brasil. Tivemos uma das mais altas taxas de greve do mundo, com quatro delas gerais. Se olharmos a década de 2000 frente a essa, veremos que nossos movimentos entraram na longa desertificação da era neoliberal. Não está sendo fácil passar por essas mudanças todas.

Sociólogo, professor da Unicamp e autor, entre outros, de Adeus ao trabalho e o novo sindicalismo no Brasil

FONTE: ALIÁS/O ESTADO DE S. PAULO

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