quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Mercado que investe nos bons meninos:: Cristian Klein

Enquanto os jornalistas vão ao mundo procurar o excepcional, o sonho de economistas e cientistas políticos é encontrar a regularidade, de preferência algo que se assemelhe a uma lei. É uma esperança de se aproximar das chamadas ciências duras, exatas - a química, a física - e de prever acontecimentos. O pesquisador da Universidade de Campinas (Unicamp) Bruno Speck não é astrônomo, mas acredita ter descoberto um fenômeno natural no calendário da agenda pública brasileira, tal qual seria a passagem de um cometa. "É algo muito previsível. Você pode afirmar com toda a certeza que entre janeiro e julho, em anos ímpares, vai haver uma onda de discussão sobre reforma política", afirma Speck, defensor de mudanças no modelo de financiamento de campanha.

A lógica é simples. Depois de passar por uma das eleições mais competitivas do mundo, nas quais precisam arrecadar volumes cada vez maiores de dinheiro, os deputados eleitos voltam ao Congresso Nacional e iniciam um processo de catarse coletiva para expurgar os defeitos do sistema. "É uma grande macumba para desfazer os males do financiamento de campanha", diz o cientista político.

O debate, porém, vai desaparecendo do horizonte tão logo chegue o recesso parlamentar, em julho, e, principalmente, o prazo limite de um ano de antecedência para que qualquer alteração entre em vigor nas eleições seguintes. No ano par, eleitoral, voltados para a mobilização de suas bases, é que os deputados não conseguem mesmo se dedicar ao assunto. Até que, desgastados, os sobreviventes (apenas 50% em média se reelegem) retomam, mais uma vez, seu realejo de lamúrias.

Licitações não seriam mais o canal de suborno político

O modelo de votação é o pretexto para a angústia financeira maior. Como se vê na proposta que o PT há anos insiste em aprovar: a lista fechada, pela qual o eleitor passaria a votar apenas nas legendas. É a saída mais fácil para se justificar a criação do financiamento exclusivamente público de campanha. O dinheiro não iria para o benefício individual dos políticos, mas supostamente para o fortalecimento dos partidos e da democracia - justificativa que acabou sendo flexibilizada no malfadado projeto do deputado Henrique Fontana (PT-RS). A proposta fez uma salada mista ao reunir lista partidária fechada com uma corrida maluca individual do "quem chegar primeiro leva" (distritão) e previa cotas de recursos para os candidatos.

Não vingou, pela terceira vez. A "lei" de Speck, pelo menos até agora, se confirma. Depois das tentativas petistas de 2007 e 2009, o fenômeno se repete em 2011. "Com esse calendário há pouco tempo para a reforma", lamenta.

A constatação do pesquisador foi feita em um dos grupos de trabalho do 35º encontro anual da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), que tradicionalmente é realizada em Caxambu (MG) e termina amanhã.

Da conversa, que tomou literalmente a forma de uma roda de especialistas, participava também o pesquisador Bruno Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), contrário a mudanças mais drásticas, como a proibição das doações de empresas. "Os candidatos a deputado e a vereador, pelas declarações deles, sofrem um ritual de humilhação diante do poder econômico. Eles têm de pedir e prometer ser bons meninos. Por outro lado, talvez os candidatos a presidente e a governador sejam capazes de extorquir os empresários", pondera Reis.

Os incentivos à doação podem ser de outra natureza. Emerson Cerri, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), relata a reclamação de um dos maiores empresários de seu Estado, Joel Malucelli, que teria dito publicamente achar um absurdo precisar doar, mas que não teria outra alternativa, pois um concorrente, em seu lugar, poderia contribuir e levar vantagem. Para todos os efeitos, Malucelli filiou-se neste mês ao PSD do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.

Bruno Speck, no entanto, afirma que metade das mil maiores empresas brasileiras não costumam financiar campanhas políticas. E que há casos em que uma empresa do mesmo ramo, como o de bebida, doa, mas sua concorrente não.
Os mecanismos por trás do comportamento das empresas, seja voluntário ou fruto de coação, ainda são um mistério. Mas os dados até agora levantados levam o pesquisador Wagner Pralon, da Universidade de São Paulo (USP), a destacar o peso gigantesco das empresas no financiamento das campanhas brasileiras. Em seu trabalho, ele mostra que 75% do dinheiro vêm de pessoas jurídicas. Mais 15% são de empresários que doam como pessoa física e 10% correspondem a recursos próprios, o que inclui a figura do candidato-empresário.

Pralon e seus alunos de pós-graduação estão empenhados em mapear qual é o retorno obtido pelas empresas doadoras. "Certamente não é de graça", diz. Entre as suspeitas estão o recebimento de benefícios tributários. Um dos trabalhos tentou verificar se haveria critério político que ligasse a concessão de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e as principais empresas que doam para o PT. A relação não foi encontrada.

Vitor Peixoto, da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), lembra da dificuldade de se provar a intermediação de interesses quando o objetivo das empresas é deixar de perder. Nestes casos, as manobras se concentram, por exemplo, em abortar projetos de lei.

Bruno Speck concorda e menciona conversas informais com consultores legislativos que afirmam não ser mais o favorecimento em licitações o principal meio de pagamento dos políticos. "Licitação está muito visada. A troca se dá onde o Estado regula", diz o pesquisador.

No lado da demanda das doações, os partidos políticos, Mauro Macedo Campos (Uenf) analisou como eles captam e distribuem internamente os recursos. O PT é o que arrecada de forma mais homogênea e o PMDB, o que distribui de modo mais igualitário entre sua federação de caciques estaduais.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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