sábado, 1 de outubro de 2011

O partido da janela::Editorial/O Estado de S. Paulo

Se a infidelidade partidária continuasse a existir, o PSD criado pelo prefeito paulistano, Gilberto Kassab, não existiria. Tampouco existiria se pelo menos tivesse vingado a ideia da chamada "janela" para permitir que os políticos trocassem impunemente de legenda durante um período a cada quatro anos. À falta disso, o PSD vem para fazer o papel de partido da janela. Afinal, a legislação autoriza a migração, sem risco de perda de mandato, para siglas novas. O difícil é encontrar algo verdadeiramente novo na nova agremiação, cujo registro foi concedido na terça-feira pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Até o nome é plágio do velho PSD concebido pelo astuto Getúlio Vargas para fazer par com o PTB no seu esquema de sustentação à direita e à esquerda. Já Kassab anunciou, com a maior candura, que a sua futura legenda não seria nem de esquerda, nem de centro, nem de direita.

Se tivesse a pretensão de ser qualquer dessas coisas - só se declarou de centro depois de registrados o partido e as adesões a ele -, entraria em colisão com a causa que o inspirou, com o perdão das palavras: ser o porto de abrigo de todos os políticos que se sentiam desconfortáveis onde estavam, por não enxergarem ali futuro para as suas ambições - caso do estiolado DEM, de onde virá uma vintena dos 48 deputados federais que já fizeram as malas para o PSD, dando substância à previsão de que os adesistas poderão somar cerca de 60. Com isso, a social-democracia kassabista se tornará a terceira força na Câmara, depois do PT (86 deputados) e do PMDB (80). Outra razão de desconforto, ligada à anterior, é a impossibilidade de dar vazão, nas siglas em que os insatisfeitos se alojam, ao insopitável desejo de se achegar ao governo da presidente Dilma Rousseff, sem integrar formalmente a base parlamentar do Planalto. Ou, como diz o prefeito, "não fazer oposição por oposição".

O kassabismo, desse modo, põe de ponta-cabeça um clássico dito anarquista espanhol. Na versão pessedista, si hay gobierno, soy favorable. É também o mote do PMDB, entre outros, mas este pelo menos teve uma trajetória respeitável, antes de decair, lenta, gradual e seguramente no suprassumo do fisiologismo. Além disso, avantajou-se o bastante, nos últimos anos, para sonhar em ser, ele próprio, governo. As ambições de curto prazo do PSD são, em geral, menores. Exceto, talvez, no seu lugar de nascimento, onde o vice-governador paulista, Guilherme Afif Domingos, dá sinais de pretender suceder a Kassab. A ordem é apoiar nos Estados seja lá qual for o político no poder, com vistas a conquistar posições já a partir das eleições municipais do próximo ano. O partido fará alianças com "qualquer um", disse o prefeito, "norteadas por nossos princípios e nossa conduta" - a perfeita contradição em termos.

A conduta, por sinal, é no mínimo matéria controversa, diante das pencas de irregularidades de que o País tomou conhecimento no processo de coleta das 490 mil assinaturas necessárias à inclusão do PSD no balofo sistema partidário nacional, com as suas 27 siglas. Firmas falsificadas, compra de signatários, petições circulando em repartições públicas e o uso dos nomes de eleitores mortos para cumprir as exigências da lei. Ainda assim e apesar do zelo da procuradora-geral eleitoral Sandra Cureau para impedir que o vale-tudo compensasse, o TSE legitimou a agremiação. Cumprida a etapa processual e enquanto correm os conchavos para o transbordo partidário dos insatisfeitos nas suas embarcações, Kassab descobre que a sociedade também existe e quer saber a que vem o seu partido.

Daí ele anunciar a sua primeira proposta: a convocação, mediante emenda constitucional, de uma Assembleia exclusiva para revisar em dois anos a Carta de 1988, à margem do Congresso. Como se a ordem institucional tivesse vindo abaixo e um novo regime tivesse sido implantado no País. A vida política tem problemas de sobra, e os brasileiros, motivos de sobra para deplorar as suas deformações, para levar a sério essa tentativa de tapar com a peneira a indigência programática de um partido que, pretendendo ser tudo para todos, nada de novo tem a oferecer à população.

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