sábado, 29 de outubro de 2011

Orlando, ocupe Wall Street! :: Guilherme Fiuza

Orlando Silva é inocente. Ou, pelo menos, quase inocente. Estava apenas cumprindo o script preparado por seus caciques - aqueles que apareceram de cocar em Manaus, inaugurando uma ponte de R$1 bilhão. Pode-se imaginar a perplexidade do ex-ministro dos Esportes, em suas conversas privadas com Dilma e Lula sobre a crise no seu ministério: "Ué, não pode mais pegar do Estado pra engordar o partido? Ninguém me avisou nada."

Provavelmente Orlando Silva não usou essas palavras. No dialeto da tribo, as coisas têm nomes mais sonoros: cidadania, capacitação, implementação, inclusão, vontade política, espírito republicano, contrapartida social. Os quase R$50 milhões desviados de convênios com o Ministério dos Esportes - para ficar só no que a Controladoria Geral da União enxergou - também não devem ter entrado nas conversas do ex-ministro com os caciques. Todos ali sabem que a vontade política dos companheiros é grande, e a carne é fraca.

O fato é que Orlando Silva tinha razão. Estava seguindo à risca o programa de governo de Dilma Rousseff, isto é, colonizando o Estado brasileiro em benefício político e pessoal dos companheiros. Por que seus chefes iriam questioná-lo agora?

Como se sabe, a tecnologia do mensalão foi testada e aprovada no primeiro mandato de Lula. O duto entre os cofres públicos e a tesouraria do PT funcionou bem e saiu barato: o presidente foi reeleito, Delúbio voltou ao partido com festa, João Paulo Cunha assumiu a principal comissão da Câmara dos Deputados. Abre-alas de Marcos Valério na magia dos contratos publicitários com o governo, Luiz Gushiken continua mandando e desmandando à sombra, e nem julgado será. Seu nome sumiu do processo do mensalão - aquele que, em sono profundo no Supremo Tribunal Federal, proporcionou aos mensaleiros a preservação da espécie.

O PCdoB não fez nada de mais. Apenas reproduziu no Ministério dos Esportes a tecnologia consagrada pela Justiça, pelo Congresso e pelo povo na cúpula do governo popular. Orlando Silva teria todo o direito de perguntar aos caciques: a implementação do processo de inclusão dos companheiros vai acabar logo na minha vez, cara-pálida?

Mas não foi preciso. Diante dos milhões de reais vazando a céu aberto no festival de convênios, capacitações e farta distribuição de cidadania, Dilma Rousseff tomou uma decisão de estadista: chamou Lula. E este, do alto de seu espírito republicano, não hesitou: mandou Orlando Silva e o PCdoB resistirem. Tratava-se evidentemente de denuncismo da mídia, fenômeno que o ex-presidente diagnostica muito bem.

Foi Gilberto Carvalho, secretário geral da Presidência (e da ex-Presidência), quem explicou por que Dilma decidira apoiar o ministro dos Esportes: "O governo não quis entrar no clima de histeria."

De fato, o clima de histeria é o grande inimigo do governo popular. E, para piorar, o Supremo Tribunal Federal, histérico, decidiu investigar Orlando Silva. O que essa gente aflita tem contra os convênios, as ONGs e a cidadania esportiva?

É preciso acabar com esse clima de histeria, antes que ele acabe com o governo. Os ministros dos Transportes, da Agricultura, da Casa Civil e do Turismo foram vítimas da mesma onda histérica. Todos foram publicamente apoiados por Dilma antes de cair, e elogiados por ela após a descida da guilhotina. Também tinha sido assim com Erenice Guerra, que privatizara o Gabinete Civil com seus entes queridos e caiu de pé, efusivamente abraçada por Dilma em sua posse na Presidência. Em todos os casos, a mensagem foi clara: os métodos da turma estavam OK, o problema foi a tal da histeria.

Ao mandar Orlando Silva resistir, Lula estava exigindo o cumprimento de sua ordem unida após a degola dos outros ministros: "O político tem que ter casco duro."

Faz sentido. Os superfaturamentos no Dnit, os convênios piratas no Turismo, o tráfico de influência na Agricultura, a consultoria milionária de Palocci, os desvios na Bolsa Pesca, o ralo não governamental nos Esportes e outras peripécias da aliança progressista de esquerda que manda no Brasil são irrelevantes. Ou melhor: são a alma do negócio, mas isso é assunto deles. O importante é neutralizar as manchetes e manter o cabide. Com casco duro.

A imprensa burguesa atrapalha um pouco, criando o clima de histeria, mas isso não vai longe. No escândalo dos Esportes, como sempre, a opinião pública vai consumir o caso do comunista degenerado e virar a página. Nem se dará conta de que Orlando Silva é a enésima confirmação de um projeto parasitário instalado no Estado brasileiro - essa mãe gentil dos companheiros de casco duro e cara idem.

Aliás, a farra das ONGs de Orlando teria continuado intacta se dependesse do bravo Movimento Brasil contra a Corrupção. Não se viu uma só vassourinha nas ruas. Deviam estar ocupando Wall Street.

Guilherme Fiuza é jornalista.

FONTE: O GLOBO

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