domingo, 16 de outubro de 2011

Para Gorbachev, União Soviética ainda deveria existir:: Fred Weir

Ex-líder relaciona decadência dos EUA ao fim da URSS

Vinte anos depois e o ex-líder soviético Mikhail Gorbachev ainda "lamenta profundamente" o desaparecimento da União Soviética, acusa os EUA de não terem apoiado mais os seus esforços para reformar o sistema comunista, acredita que o poder global americano está em declínio e está preocupado que Vladimir Putin - que pretende se eleger presidente nas eleições de março - provoque um retrocesso. Numa entrevista por vídeo com Liliya Shevtsova, programada para coincidir com o 20.° aniversário do colapso da União Soviética, Gorbachev reconhece que o sistema comunista foi conspurcado pela ditadura e as violações de direitos humanos, mas insiste que era possível preservar a União Soviética. "Retardamos muito as nossas reformas... A União Soviética oferecia muitas perspectivas para as pessoas que ali viviam e teria um futuro se fosse modernizada e adaptada para os novos desafios. Sim, lamento muito (o seu colapso)."

Em seis anos vertiginosos de reformas intensivas, após assumir o poder em 1985, Michail Gorbachev promoveu uma abertura da mídia que propiciou um debate transparente, permitiu a liberdade de expressão, reduziu os controles sobre as organizações políticas e substituiu o comando do Partido Comunista por câmaras legislativas eleitas em todos os níveis de poder.

Seus esforços fracassaram em meio ao caos econômico que resultou das tentativas para reformular o planejamento central comunista. Ele encontrou uma oposição crescente das elites nacionais nas repúblicas não russas, que usaram novas liberdades para pressionar por sua independência. Ele também sofreu com as deserções em massa de partidários liberais, que o acusaram de lentidão nas reformas e transferiram seu apoio para seu rival, aparentemente mais radical, Boris Yeltsin.

Entre os críticos liberais mais ferozes de Gorbachev no final da década de 90 estava exatamente Lilyia Shevtsova, que diz ter passado a apreciar os sentimentos democráticos do ex-líder soviético, sua abertura pessoal e a maneira pacífica com que renunciou ao poder ao ver que não tinha mais opções, em 1991. "No passado, os líderes russos somente deixavam o cargo num caixão", diz ela. "Gorbachev criou um precedente ao se retirar pacificamente. Posteriormente, conduziu sua vida como cidadão de uma maneira afável e elegante. Ele é um modelo de político que dificilmente encontramos na Rússia, e que certamente não existe entre os nossos maiores líderes."

Na entrevista, Gorbachev diz que lamenta que o governo de George H. W. Bush não o tenha apoiado quando seu poder esvaneceu, e sugere que "radicais" da Casa Branca, como o então secretário da Defesa, Dick Cheney, convenceram o ex-presidente americano a apoiar Boris Yeltsin.

Ele acrescenta que, se o poder global dos Estados Unidos está declinando, em parte isso se deve às más decisões tomadas nos últimos anos da Guerra Fria. "Acho que o momento em que os Estados Unidos se equivocaram foi quando a União Soviética deixou de existir", diz ele. "Foi quando eles se iludiram e os Estados Unidos resolveram criar um novo império."

Gorbachev tem criticado com frequência Vladimir Putin. Observa que nos seus dois primeiros mandatos como presidente as práticas democráticas e a abertura da mídia sofreram um forte retrocesso. O lema de Putin, diz ele, poderia ser "Rússia retrógrada" e o único desejo dele é "se agarrar ao poder e manter o status quo".

Mais seis anos de governo Putin podem levar a Rússia a um beco sem saída, ele acrescenta. "Condenaremos a Rússia a ser saqueada como um país de matérias-primas ainda por um longo tempo no futuro... Precisamos realizar mudanças fundamentais. Necessitamos de um novo modelo de desenvolvimento. Mas isso só poderá ocorrer se tivermos primeiro eleições democráticas - e não temos uma eleição democrática desde 1990."

Shevtsova diz que, enquanto muitos russos comuns ainda acusam Gorbachev pelo colapso da União Soviética, muitos intelectuais que antes manifestaram dúvidas em relação a ele o olham com mais respeito. "O que vemos é um ex-líder soviético que hoje se coloca na oposição e expressa opiniões muito lógicas, diz ela. "E ele é muito mais progressista, objetivo e racional do que muitas figuras contemporâneas da oposição. Ele é o mais extraordinário político russo e um modelo de comportamento dentro e fora do poder completamente diferente de todos os outros." / Tradução de Terezinha Martino

É jornalista

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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