sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Pecadores, imperitos e impiedosos :: Monica De Bolle

O pecador corre para a pedra, mas a pedra não pode escondê-lo. Corre para o rio, corre para o mar, mas ambos fervem e sangram. Corre para o Senhor e suplica pela sua ajuda, mas o Senhor ordena que procure o Diabo. O Diabo já o aguardava (Sinnerman, Nina Simone).

Os bancos. De novo. Mas desta vez na Europa, que não é o centro do sistema financeiro internacional, ao contrário dos EUA. Isso não quer dizer que uma corrida contra os bancos europeus não possa causar estragos consideráveis no sistema financeiro global, ainda que sejam, potencialmente, de menor magnitude do que os provocados pela falência das grandes instituições americanas.

Diferentemente de 2008, desta vez os culpados pela turbulência bancária são conhecidos. Não são ativos exóticos que ninguém sabe precificar, cujo risco é opaco e praticamente imensurável. São títulos de dívida soberana, em alguns casos, impagáveis, resultado da gula insaciável de certos governos europeus. Estão nos balanços dos bancos não porque esses pecaram pela avareza, como as instituições americanas, mas porque cometeram um erro de julgamento. Acharam que o risco de carregar esses títulos era baixo, seja pelo fato de os países emissores pertencerem à zona do euro, seja por acreditarem que uma crise de dívida devastadora não se materializaria.

A crise bancária/fiscal da zona do euro está ganhando força, pois, na avaliação dos investidores, os líderes da região continuam a pecar pela preguiça e negligência. E os mercados são impiedosos com a letargia. Os problemas bancários que hoje afligem a eurozona são o reflexo de uma crise mal resolvida. Já que em 2008 os bancos europeus não estavam no centro da crise, os líderes não se sentiram compelidos a tomar atitudes mais drásticas, como fizeram as autoridades americanas. Ainda que, naquela altura, alguns bancos, como o franco-belga Dexia, que agora será reestruturado, tenham tido problemas sérios, os europeus resolveram enfrentar a crise com uma abordagem pontual, concentrando-se só nas instituições mais frágeis. Mas com a crise fiscal plenamente instalada na Europa essa estratégia já não é mais possível. É preciso adotar uma abordagem sistêmica, abrangente.

Como? Há diversas propostas em circulação. Mas, curiosamente, não surgiram, como ocorreu em 2009, planos de estatização bancária com a criação de um veículo para abrigar os títulos soberanos problemáticos. No caso europeu, os recursos do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (Feef), com alguma ajuda adicional do FMI e do Banco Central Europeu (BCE), poderiam ser usados para fazer uma grande operação de saneamento bancário nos moldes do que fez a Suécia nos anos 90. Criar-se-ia um veículo para administrar os ativos que geram grande desconfiança dos investidores em relação à higidez dos bancos. Uma vez que esses ativos tenham sido retirados dos balanços dos bancos mais frágeis, os governos que ainda tiverem espaço para emitir títulos estatizam e recapitalizam suas instituições. Os que não tiverem essa capacidade se submetem às condições estabelecidas pelo Feef e pelo FMI para acessar os recursos para recapitalizar bancos e/ou conseguir que eles comprem títulos soberanos nos mercados secundários.

No fim, todas as instituições com graves problemas de capital seriam, integralmente ou não, estatizadas pelos governos. O mecanismo é muito parecido com as propostas discutidas em 2009 para resolver a crise americana. Na época, a ideia foi rechaçada pelas autoridades dos EUA, pois a perspectiva de estatizar o sistema bancário era politicamente inviável. Mas na Europa é diferente. Muitas das instituições sob intenso escrutínio dos mercados já têm participação estatal, como o Dexia.

É imperativo que os políticos europeus façam como o pecador e comecem a correr. E também que deixem de procurar pedras para se esconder, pois os mares e os rios dos mercados já estão sangrando. Não é impossível evitar a reprise de 2008, desde que haja perícia, ousadia e alguma piedade dos mercados. Piedade, neste caso, é sinônimo de paciência.

Monica B. De Bolle, economista, professora da PUC-RJ, é diretora do IEPE/Casa das Garças

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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