domingo, 9 de outubro de 2011

Potências não ficam no muro:: Clóvis Rossi

Abstenção brasileira em votação de resolução sobre a Síria é incoerente e dá margem para alucinações

É imperdoável a omissão do Brasil no tratamento do caso sírio pelo Conselho de Segurança. Quem se pretende potência, ainda que apenas emergente, não pode subir no muro e se abster. Equivale a dizer "não sou contra nem a favor", o que nem mesmo uma "potência média" faz.

Estou usando, entre aspas, o rótulo empregado por Imad Mansour, pesquisador do Departamento de Ciência Política da McGill University, em recente artigo para o Merip (sigla inglesa para Projeto de Pesquisa e Informação sobre o Oriente Médio).

Rápida ajuda-memória: o Brasil absteve-se de votar projeto patrocinado por Estados Unidos e União Europeia que previa sanções à Síria para tentar acabar com a selvagem repressão do regime aos protestos populares, o que já causou a morte de quase 3.000, pela mais recente contabilidade.

O projeto acabou vetado por China e Rússia, que, ao contrário do Brasil, tem uma tradição porca em matéria de direitos humanos. Já vetaram, antes, resoluções parecidas contra as abjetas ditaduras do Zimbábue e de Mianmar. A abstenção brasileira -acompanhada por seus dois pares no Ibas, Índia e África do Sul- acabou sendo apenas uma cobertura para tornar menos indecente o veto das duas potências.

Vejamos a avaliação de Imad Mansour: "Até agora, as revoltas árabes expuseram o Ibas como um participante do Conselho de Segurança sem posições consistentes ou coerentes".

Não mostram nenhuma das características que lhes permitiriam ostentar o rótulo de "potências médias", a saber: diplomacia pública ativa (abster-se é ser passivo) e "empreendedorismo normativo", na promoção, por exemplo, de direitos humanos.

Como se sabe, Dilma Rousseff, desde a posse, diz que direitos humanos estariam no centro de sua política externa -o que torna ainda menos compreensível a omissão ante um caso evidente de brutalidade como é o da Síria sob Bashar Assad.

Em Bruxelas, a presidente produziu uma definição alusiva ao que está acontecendo: cobrou mais diplomacia preventiva e menos intervenções militares.

Perfeito, desde que ela qualifique "diplomacia preventiva". Se é conversar com o ditador -como o fez o Ibas no início da revolta- para tentar convencê-lo a se converter em democrata, chega a ser ingênuo, para não dizer coisa pior. E ingenuidade não é exatamente uma característica própria de potência, intermediária, emergente, o que for.

Como o diálogo Ibas/Assad não produziu rigorosamente nada, restaria, como diplomacia preventiva proposta por Dilma, a adoção de sanções. O Brasil, no entanto, nem aceita nem rejeita as sanções propostas pelas potências ocidentais.

O que, então, pode ser feito? Enquanto não der resposta a essa pergunta elementar, a diplomacia brasileira permite que surjam as mais delirantes hipóteses, como a de Nikolas Gvosdev, professor da Escola de Guerra Naval dos EUA, para quem o governo brasileiro se absteve com medo de que, no futuro, as sanções se voltem contra ele, por conta do uso de militares para recuperar favelas em mãos do narcotráfico. Ridículo, mas é o preço da inconsistência.

FONTE:: FOLHA DE S. PAULO

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