domingo, 27 de novembro de 2011

A ajuda de Valério ainda vale milhões

Operador do mensalão e um dos réus no STF, Marcos Valério de Souza despacha normalmente na T&M Consultoria, que ajudou uma empresa a obter R$ 52 milhões em contratos no governo federal

Operador do mensalão, Valério ainda está na ativa

Consultoria ligada a ele presta serviço a empresas contratadas pelo governo

Thiago Herdy

O escândalo do mensalão e as dezenas de processos em que figura como réu na Justiça não foram suficientes para tirar de cena Marcos Valério Fernandes de Souza, o lobista acusado de operar o maior esquema de ocultação e desvio de recursos por políticos brasileiros. Às vésperas da definição da data do julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Valério está mais atuante do que nunca e despacha em escritório localizado no sexto andar do número 925 da Rua Sergipe, em Belo Horizonte. É a sede da T&M Consultoria Ltda, antiga Tolentino & Melo Assessoria Empresarial, que teve oficialmente Valério como sócio até 2005, ano em que o escândalo da base petista veio à tona.

No papel, Valério deixou a sociedade com Rogério Tolentino e José Roberto de Melo, mas, na prática, ele continua atuante na empresa de consultoria e ainda a cita, em ações na Justiça, como seu endereço comercial. Contratar a empresa virou sinônimo de sucesso profissional em negócios com o poder público. Caso da então modesta ID2 Tecnologia e Consultoria, empresa de Brasília fundada em 2004, que desenvolve softwares e que pagou pouco mais de R$200 mil pelos serviços da T&M em 2007.

O contato com a consultoria ligada a Valério foi a senha para a empresa abocanhar serviços milionários do governo federal. Pouco mais de um ano depois, foi contratada pelo Ministério do Turismo por R$14,9 milhões para fornecer software de apoio à administração. Em 2010, novos contratos com os ministérios do Esporte, Minas e Energia, Saúde e Valec somaram R$37,1 milhões.

Serviços para construtora falida

O valor total dos cinco contratos ultrapassa R$52 milhões. Quatro deles têm objeto idêntico, com previsão de "aquisição de tecnologia com painéis e gerenciadores gráficos, softwares e serviços vinculados". Antes disso, o único contrato com o poder público da ID2 Tecnologia era com o STF, de quem recebia R$19,8 mil mensais para dar suporte técnico ao software usado como ferramenta de gestão na área de serviços gerais do órgão.

A construtora baiana Concic também contratou os serviços da T&M em 2007. Apesar de falida desde o início dos anos 90, pagou R$850 mil à empresa ligada ao lobista, de acordo com informações contábeis da consultoria. A Concic deve R$495 milhões (R$5 bilhões, em valores atualizados) ao Banco Econômico, o que a torna maior devedora da instituição, sob intervenção do Banco Central desde 1995.

O pagamento à empresa de consultoria ligada a Tolentino e Valério ocorreu por intermédio da filial da construtora em Belo Horizonte. Nessa época, a Concic brigava no Tribunal de Justiça da Bahia para fazer valer uma atípica decisão proferida anos antes pelo juiz da Quarta Vara Cível e Comercial de Salvador (BA), José Bispo Santana, que a transformava de devedora a credora do Econômico, por cobrança de juros supostamente abusivos em contratos de empréstimo. Em julgamento que começou naquele ano, o Econômico conseguiu reverter a decisão, por 15 votos a 1. A falta de unanimidade retardou ainda mais o processo e permitiu novos recursos no âmbito estadual. Hoje, o assunto está em discussão no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

- A Concic é uma empresa completamente quebrada e sem atividades desde os anos 90. Este dinheiro para consultoria jamais poderia sair da massa (falida da empresa), porque estaria lesando profundamente os credores - diz o advogado do Econômico, Celso Castro.

Na época do contrato com a T&M, a filial mineira da Concic era administrada por Marcos Pacheco de Medeiros, atual diretor-executivo do consórcio de empresas responsável pela implantação de um complexo penitenciário em parceria público-privada com o governo de Minas. Apesar de a construtora não tocar obras desde o início dos anos 90, Medeiros diz ter trabalhado para a Concic até 2008, administrando o passivo da empresa em Belo Horizonte. Ele admite ter conhecido Valério em eventos ligados ao hipismo na capital mineira, mas afirma que nunca se tornaram amigos. Medeiros nega ainda que tenha intermediado contratos da Concic com a empresa de consultoria.

- Quem são essas pessoas? São confiáveis? Não são pessoas envolvidas com o mensalão? É gente que não tem nada a perder, pega um CNPJ e envolve a sua empresa. Estou indignado com isso, porque fere meu nome - alega o ex-gerente.

Medeiros afirma que só os donos da empresa, em Salvador, teriam condições de transferir recursos à T&M por meio da Concic. Proprietário da construtora, o empresário José Rial também nega a contratação.

- Se isso (a contratação) fosse para lobby político, jamais seria conduzido por Belo Horizonte, mas por meio da matriz. Não quero brincar com coisas sérias, mas fantasmas aparecem - diz o empresário.

Sócios são alvo de investigação da PF

Ao ser informado sobre as declarações de Medeiros e Rial, Rogério Tolentino informou, por meio de sua assessoria, que, "se foi emitida nota fiscal para a Concic, houve prestação de serviço". A mesma resposta vale para a ID2 Tecnologia, de Brasília, cujos proprietários também negaram ter contratado os serviços da T&M.

- Não houve pagamento. O fato de eventual emissão de nota fiscal e eventual contabilização da mesma pela empresa do senhor Tolentino não implica a alegada prestação de serviços - disse Afrânio Baganha, proprietário da empresa.

Por e-mail, por três vezes, Baganha se recusou a responder se conhecia Marcos Valério ou Rogério Tolentino.

Em resposta conjunta, assinada com Tolentino, Valério alegou que despacha no escritório da T&M em função do trabalho em processos a que ambos respondem na Justiça, e não para prospecção de novos negócios. Os dois se recusaram a apresentar detalhes dos serviços prestados à Concic e à ID2 Tecnologia, por entender que eles "dizem respeito apenas às empresas contratantes".

A T&M responde na Justiça a processo da prefeitura de Belo Horizonte, que lhe cobra R$1,3 milhão em impostos não pagos à administração municipal, referentes a um faturamento de R$6,4 milhões da empresa ocultado de 2003 a 2005. Os antigos e atuais sócios da empresa são alvo de investigações paralelas da Polícia Federal.

As assessorias de imprensa dos ministérios do Esporte e do Turismo informaram que os contratos com a ID2 Tecnologia atendem aos princípios de legalidade e transparência. Alegam que a empresa nunca foi alvo de suspeição, mas que, apesar disso, por conta da entrada de novos gestores, os contratos estão sendo revisados. O mesmo informou a Valec. O Ministério da Saúde informou que os preços apresentados pela ID2 eram os melhores entre os concorrentes. O Ministério de Minas e Energia não se manifestou.

FONTE: O GLOBO

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