domingo, 13 de novembro de 2011

Amigos dos Amigos :: Alberto Dines

Conjunção coordenativa, ligação entre orações negativas, Nem não é apenas a alcunha do mais procurado bandido do narcotráfico brasileiro. A partir da madrugada dessa quinta-feira – quando foi preso e abriu o bico – converteu-se na mais contundente evidência da letalidade da corrupção no âmago da sociedade brasileira.

A prisão do chefão da favela-ícone, a Rocinha, deveu-se à competência profissional e a integridade de um tenente da PM fluminense, Disraeli Gomes, que recusou o suborno de R$ l milhão. Simultaneamente se escancarou a bocarra da corrupção ao desvendar-se a manobra de alguns policiais e ex-policiais que tentavam evitar a condução do bandido ao xilindró da Polícia Federal forçando a sua entrega à complacência de uma delegacia próxima (da Policia Civil).

A corrupção é, organicamente, um sistema dinâmico e integrado. Sua toxicidade decorre justamente da sua capacidade de irradiação imaterial e subjetiva, do seu poder de estímulo e reciprocidade. Os focos e esferas da corrupção não se intercomunicam, mas se reforçam mutuamente, sobretudo através da impunidade.

Mesmo que os corruptos das altas esferas federais não se conectem diretamente ao crime organizado, suas redes de proteção são as mesmas – a banda podre das polícias, os desvãos do judiciário, a capangagem eleitoral. Nos EUA, de 1903 até a década de sessenta, acrescentaram-se ao esquema os sindicatos do crime, a Fraternidade Internacional dos Teamsters, caminhoneiros, ajudantes e capatazes. Aqui, nos escombros da segurança pública e da ineficiência do Estado, proliferam as milícias, o empreendedorismo do mal, semiclandestino e, por enquanto, imbatível.

O narcotráfico mexicano agigantou-se graças a sua proximidade com as fontes produtoras de drogas – cartéis colombianos produtores e distribuidores de cocaína – e o ávido mercado consumidor americano. Mas é a corrupção nos órgãos de segurança a mola propulsora do narcoterrorismo mexicano hoje convertido num estado dentro do Estado.

Bandido também lê jornal, assiste aos telejornais: quanto mais impunidade detecta nas altas esferas, maior é o incentivo para cloná-la no seu universo. As homenagens ao tenente Disraeli foram aparentemente abortadas, não porque imerecidas, mas porque a impunidade das malfeitorias, ilícitos e prevaricações tem proporções avassaladoras, sua presença é gritante em todos os escalões, esferas e estamentos.

Este é um axioma que não pode ser minimizado nem contestado: a corrupção é a madrasta da nossa organização social. Os valores que emite continuamente infiltram-se e se impõem às crenças, ideias e ideais. A cola (e suas modalidades tecnológicas) nas escolas e o trambique em licitações milionárias são operações moralmente idênticas. A filantropia dos traficantes - caso do Nem na Rocinha – é aceita pelos vizinhos porque a corrupção chegou às ideologias convertendo um criminoso que vive nababescamente, porém nascido na comunidade, como amigo dos pobres.

Quantas vezes já ouvimos as louvações de políticos corruptos às excelsas virtudes da fraternidade e da amizade? Incontáveis, em plenários legislativos e até em comissões de ética. Nem era o chefão de uma facção chamada ADA, Amigos dos Amigos.

Alberto Dines é jornalista

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

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