terça-feira, 8 de novembro de 2011

Ficha Limpa no tapetão :: Raymundo Costa

O Supremo Tribunal Federal decide amanhã o futuro da Lei da Ficha Limpa. O STF vai analisar a constitucionalidade da lei, sobre a qual há dúvidas, e sua aplicação nas eleições de 2012. Se julgar que a lei é constitucional, parece ponto pacífico sua aplicação na eleição municipal. Mas a discussão sobre a Ficha Limpa quase sempre percorreu caminhos tortuosos e acidentados, como demonstra sua curta história de pouco mais de um ano.

É certo, hoje, que a lei não valeu para as eleições de 2010, conforme decidiu o Supremo, com base no princípio da anualidade exigida para as leis que mudam as regras do jogo eleitoral. A Ficha Limpa foi votada e aprovada pelo Congresso cerca de três meses antes das eleições de outubro do ano passado (e não um ano antes, como exigido) e sancionada no início do mês de junho.

Dois senadores estão prontos para assumir o mandato, por conta da decisão do STF: Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) e João Capiberibe (PSB-AP). Os dois foram eleitos em 2010, mas barrados por instâncias preliminares com base na Lei da Ficha Limpa. Um terceiro candidato eleito ano passado, no entanto, vaga como alma penada sem conseguir se fazer ouvido pelos juízes: Jader Barbalho (PMDB-PA).

A situação de Jader é curiosa, para se dizer o mínimo. Ele pode se tornar o único candidato às eleições de 2010 punido pela Ficha Limpa, uma lei que na realidade não valeu para aquelas eleições, segundo decisão do próprio Supremo.

Mais estranho ainda é que a vaga de Jader no Senado (ocupada pela quarta colocada) é reclamada pelo ex-deputado Paulo Rocha (PT-PA), terceiro lugar na eleição para o Senado. Paulo Rocha renunciou ao mandato de deputado em 2005, na esteira do escândalo do mensalão, o suposto esquema de compra de votos montado pelo governo no Congresso. Jader renunciou no ano 2000, pressionado pelas acusações de desvios de verbas na Sudam e no Banco do Pará.

Os dois candidatos foram impugnados pelo mesmo artigo: a renúncia para fugir à cassação do mandato pelos colegas. Se Jader não assumir, o Supremo declarar que a Lei da Ficha Limpa é constitucional e a Justiça atender o requerimento de Paulo Rocha, ficará configurada uma situação esdrúxula: assume a cadeira de senador alguém que não poderá concorrer a vereador ou prefeito, em 2012, porque estará então enquadrado na Lei da Ficha Limpa (por causa da renúncia de 2005, quando o prazo de a inelegibilidade é de oito anos).

É o caso de se perguntar: como o Supremo Tribunal Federal vai julgar um assunto relativo a 2012, sem antes resolver o principal e talvez único caso ainda pendente no STF sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa em 2010? Pode-se gostar ou não de Jader, sem dúvida o ex-senador paraense se tornou uma espécie de símbolo dos políticos ficha sujas do país, mas o Supremo precisa deixar claro por que Jader deve ficar fora - ou dentro - do Senado.

Jader foi o protagonista da estreia da Lei da Ficha Limpa nos tribunais. Era intensa a pressão da opinião pública pela imediata aplicabilidade da lei. Derrotado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ex-presidente do Senado recorreu ao Supremo. No julgamento, houve empate de 5 a 5. A defesa de Jader, mas também boa parte dos advogados que atuam nos tribunais superiores, acredita que o ministro César Peluso, ao exercer o voto de minerva, deveria exercer o princípio segundo o qual a dúvida deve ser interpretada em favor do réu.

É o chamado voto de qualidade, exercido pelo presidente da Corte Suprema sempre que há empate, nos julgamentos, devido a vaga não preenchida ou de licença de ministro para tratamento de saúde superior a 30 dias. À época o plenário do Supremo contava com dez de seus 11 integrantes, devido à aposentadoria do ministro Eros Grau. Mas Peluso decidiu se amparar em outro artigo do regimento do STF e prestigiar a decisão anterior do TSE, que foi favorável à aplicação da lei em 2010.

A arbitragem de Peluso surpreendeu ainda mais porque ele fora um dos cinco ministros que votaram a favor de Jader, ou seja, que ele poderia ser candidato em 2010 pois a Lei da Ficha Limpa não era válida para aquela eleição. Um voto forte. Peluso inclusive chegou a especular sobre a constitucionalidade da lei, pelo fato de o texto aprovado pelo Senado - e sancionado pelo presidente da República - não ser o mesmo que saiu da Câmara dos Deputados.

Quando assumiu em lugar de Grau, o ministro Luiz Fux tomou partido da ala do Supremo que entendia que a Lei da Ficha Limpa não estava vigente em 2010, por ter sido aprovada fora do prazo de um ano antes das eleições. Na mesma ocasião, o STF declarou que a decisão era de repercussão geral, portanto, aplicável a todos os casos pendentes. Com o objetivo de chamar a atenção, Jader patrocinou várias ações a fim de assumir o mandato para o qual foi eleito. Não teve êxito.

O ex-senador paraense evita fazer declarações antes de um pronunciamento definitivo do Supremo, o que espera que ocorra antes de o tribunal julgar se a lei vale para as eleições de 2012, o que é previsto para amanhã. Mas em particular insiste que não vê "possibilidade de risco" de o Supremo deixar de lhe assegurar o mandato parlamentar obtido nas urnas.

Entende-se que o ex-senador considere "um absurdo" se for punido por uma lei que não valia na eleição de 2010. Quanto mais, o único punido. Cabe ao Supremo, se for este o caso, deixar claro que não se move por pressões de momento, mas lastreado efetivamente nas normas constitucionais das quais é o guardião.

Cabe também ao Supremo decidir logo se a Lei da Ficha Limpa é ou não constitucional, para evitar que em 2012 os candidatos disputem sob a mesma insegurança jurídica de 2010. A Ação de Declaração de Constitucionalidade é de autoria do PPS e rebate o argumento de que a Lei da Ficha Limpa fere o princípio da presunção da inocência. Segundo a ação do PPS, "a inelegibilidade não consiste em pena, nem suspensão ou perda de direitos políticos, mas em medida voltada à tutela da probidade e moralidade administrativas".

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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