quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Governo pode antecipar novas medidas anticrise

Queda do compulsório, uso de reserva para financiar comércio exterior e desoneração para setores afetados pelo cenário global são alternativas se situação externa piorar

Eva Rodrigues

Diante de um cenário externo que se deteriora a cada dia, o governo brasileiro deu início, em agosto, ao afrouxamento monetário e, na última semana, desmontou boa parte das medidas restritivas ao crédito implementadas no final de 2010.

Ao contrário de 2008, quando demorou para reagir à crise, agora a postura tem sido de se antecipar aos efeitos de um mundo à beira da recessão. Mas qual o próximo passo? Em caso de piora na liquidez global, o governo deve desmontar as exigências relativas a compulsório que fizeram parte do pacote de dezembro do ano passado, usar as reservas ou mesmo fazer uso dos bancos oficiais para injetar liquidez no mercado.

Para o aquecimento da demanda doméstica também está na mira um maior ritmo e alongamento do ciclo de corte nos juros básicos.

No curto prazo, e sem graves problemas de liquidez, o governo deve aguardar os efeitos da retirada das travas ao crédito, que na prática tem o efeito de um corte nos juros - quando todo o pacote de contenção de crédito foi lançado em 2010 o mercado estimou que equivaleria a uma alta entre 0,50 e um ponto percentual na Selic.

Com o desmonte parcial do pacote, a contribuição deve ser menor.

De qualquer maneira, a iniciativa talvez ajude a remover as crescentes expectativas de que os cortes nos juros poderiam vir mais fortes daqui em diante.

O susto com a Itália na semana passada parece ter sido crucial para os novos passos do governo. “É muito complicado arregimentar o montante de dinheiro necessário tendo em vista o tamanho da dívida italiana. E esse cenário externo complexo explica as ações do governo aqui dentro para evitar uma desaceleração mais forte da economia, e aí se enquadram o corte nos juros e as medidas de crédito”, diz o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otávio Leal, que não descarta em situação extrema o uso de bancos oficiais, como o Banco do Brasil e o BNDES, para garantir liquidez ao mercado. “A grande dúvida é se esses movimentos são compatíveis com a convergência da inflação para a meta de 4,5%. Além de acelerar o ritmo e ampliar o ciclo de corte de juros em caso de piora das condições globais, o economista-chefe da Votorantim Corretora, Roberto Padovani, vê como instrumentos à mão do governo o desmonte do aperto nos compulsórios, assim como as reservas, que em 2008 foram usadas para o financiamento do comércio exterior. “Do lado fiscal, o governo tem menos espaço, mas pode escolher setores mais fortemente prejudicados para conceder desonerações”, pondera.

O momento de pouca clareza, explica Padovani, pede atitudes paulatinas conforme a conjuntura de curto prazo. “Num ambiente de muitas incertezas e informações escassas não dá para ser muito arrojado, é melhor caminhar devagar.”

Momento paradoxal

O professor da Escola de Economia de São Paulo (EESP/FGV), Rogério Mori, destaca o momento paradoxal pelo qual passa o Brasil: de um lado, a atividade desaquecida, que encontra a resposta mais direta na baixa produção industrial; e de outro, o mercado de trabalho apertado e com dificuldade até para a contratação de temporários no final do ano, o que mantém pujante o setor de serviços. “É uma situação assimétrica que o Banco Central deve olhar com cuidado.

De todo modo, num cenário de piora externa que se reflita aqui eu não descarto a possibilidade de que o atual ciclo de corte nos juros leve a Selic ao patamar de 8,75%, assim como desonerações setoriais para os segmentos mais afetados pela crise”, avalia.

Se o próximo corte de juros for de 0,50 ponto percentual, os juros básicos da economia voltam para 11%, o que significa o desmonte de toda a alta verificada no primeiro semestre do ano. “O alívio do crédito na semana passada também trará algum estímulo à atividade doméstica e alinha-se a uma política que vem sendo implementada pelo BC de não usar apenas o instrumento de juros”, diz o economista do Santander, Cristiano Souza, que espera como próximos passos do governo o afrouxamento nos compulsórios dos bancos.

PIB BRASILEIRO: 3,5% é a projeção do banco ABC Brasil para o crescimento da economia em 2012.

Crise externa pode trazer viés de baixa à taxa.

TERCEIRO TRIMESTRE: -0,2% é a queda do PIB para o terceiro trimestre esperada pelo Santander.
Para o quarto trimestre, a projeção é de estabilidade.

REGIME DE METAS: Inflação em alta impõe imite aos estímulos econômicos

No momento em que o Banco Central corta juros e melhora as condições de crédito para garantir que a economia volte a acelerar em 2012, um item relevante continua como o grande foco de preocupação nacional: a inflação.

Em 12 meses, a variação de preços medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumula alta de 6,97%, bem acima do centro da meta do governo, de 4,5%.


É fato que houve desaceleração ante os 7,31% de setembro, mas ninguém no mercado acredita, como prega o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, que a inflação vá convergir para a meta em 2012. “O cenário do BC contempla ajustes moderados na Selic, uma ação consistente com o retorno da inflação à meta em 2012”, repetiu Tombini, ontem.

Diante da dificuldade em se equacionar controle de preços e medidas para fomentar o nível de atividade - combate à inflação, como regra, pede medidas contracionistas - há quem fale até mesmo em mudar as metas de inflação.

Para o economista-chefe do banco ABC Brasil, Luis Otávio Leal, seria melhor que o Banco Central alterasse a meta para 5,5% em 2012, patamar que seria compatível com um crescimento de 3,5% do PIB. “Para o bem do sistema de metas, o BC deveria deixar claro que não está abandonando o sistema, mas alterando a meta diante do cenário adverso que vivemos no mundo. Seria um movimento claro que acabaria com ruídos desnecessários, sem perda de credibilidade para o BC e sem sacrificar muito a economia”, discorre Leal.

Entretanto, esse é um ponto de vista longe da unanimidade.

O economista-chefe da Votorantim Corretora, Roberto Padovani, vê a convergência da inflação à meta somente em 2013 mas é contra qualquer alteração na meta. O fato de haver um intervalo amplo na meta - de 2,5% a 6,5% - é justamente para acomodar choques.

Já uma nova meta pode ter efeito negativo de reduzir a confiança dos agentes na trajetória de convergência.”

Ao apontar para a inflação de serviços na casa dos 9% em 12 meses e medidas de núcleos (excluem itens mais voláteis) com viés de alta, o economista do Santander, Cristiano Souza, sente algum desconforto para defender o corte nos juros. “As expectativas em relação à inflação não melhoraram e mesmo levando em conta a desaceleração em curso não dá para pensar em convergência da inflação à meta.”

FONTE: BRASIL ECONÔMICO

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