terça-feira, 15 de novembro de 2011

Itália sofreu um golpe de mercado:: Clóvis Rossi

Silvio Berlusconi aviltou a democracia, mas a sua saída do poder acabou sendo mais uma violência

Silvio Berlusconi conspurcou de tal maneira a democracia italiana que a sua substituição acabou sendo aviltada.

Foi um golpe, um golpe de mercado, executado pelo presidente Giorgio Napolitano, sob as ordens do duo Alemanha/França, mas por inspiração do mercado.

Por incrível que pareça, Berlusconi disse uma verdade - talvez a única de seus 17 anos de nefasta presença na política italiana - ao afirmar, na mensagem de despedida, que não perdera a confiança do Parlamento, a única maneira limpa de destituir um governante no parlamentarismo.

Ao contrário, ganhou um voto de confiança uma semana antes da demissão. Pode-se até interpretar que perdeu a maioria absoluta no voto seguinte (sobre as contas do Estado), mas não basta para caracterizar a perda de confiança.

Como, não obstante, se viu forçado a renunciar pela pressão dos mercados -justamente ele, um homem de mercado-, havia duas formas legítimas de substituí-lo: ou indicar algum nome da maioria parlamentar ou convocar eleições.

O presidente Napolitano preferiu, no entanto, nomear Mario Monti primeiro como senador biônico (o que está dentro das regras porcas da política italiana) e depois como primeiro-ministro, embora não faça parte da maioria.

Como sou o inimigo número 1 de teorias conspiratórias, vou tomar como mera coincidência o fato de a Goldman Sachs, gigante do mercado, ter emitido nota, na tumultuada semana prévia à queda, em que dizia: "Um governo técnico [na Itália] teria maior credibilidade na comparação com outros executivos".

Napolitano preferiu um técnico e, ainda por cima, alguém que foi vice-presidente da Goldman Sachs.

É uma saída muito parecida com a da Grécia, em que a dupla Merkozy (Angela Merkel + Nicolas Sarkozy) impôs outro tecnocrata, ex-vice-presidente do Banco Central Europeu, para substituir George Papandreou, o primeiro-ministro que ousara pretender que coubesse ao eleitorado a decisão sobre o pacote de ajuste/socorro, que, afinal, incide diretamente sobre a vida dos eleitores.

Comenta José Ignacio Torreblanca (Conselho Europeu de Relações Exteriores), em artigo para o espanhol "El País":

"O sentido último da democracia é que o povo governe a si próprio. Por isso, embora um grande número de cidadãos não entenda no detalhe as causas, consequências e possíveis soluções para a crise do euro, tem, sim, clara uma coisa: se democracia significa capacidade de decidir, a capacidade de decisão de nossas democracias é hoje sumamente limitada".

É possível que o alívio pela saída de um personagem nefando como Berlusconi encubra o golpe, mas temo que, depois de algum tempo, venha o incômodo exposto pelo escritor italiano Ugo Cornia em artigo para "El País" de ontem:

"Acaba Berlusconi, mas a única diferença será que já não haverá sexo no telediário, o que não é grande coisa. Se não se pode discutir sobre determinados ajustes socioeconômicos porque estão feitos e são, ademais, indiscutíveis, era preferível falar dos costumes sexuais das classes dirigentes. Assim, pelo menos, dávamos risada".

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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